O personagem da alegria

O personagem da alegria

Desde que a pandemia começou o ambiente ficou pesado. Neste final de ano que se aproxima a galope, quase todas as pessoas se queixam do estresse provocado pelo longo isolamento, do cansaço e do aumento da carga de trabalho. Na véspera do dia de finados, a inesperada notícia da morte do ator Tom Veiga, aos 47 anos, ocasionada por um Acidente Vascular Cerebral (AVC), surpreendeu o país e comoveu milhões de brasileiros. A parceria afinada, formada por Ana Maria Braga e Tom Veiga, estava no ar há mais de 20 anos e consolidou uma memória afetiva na mente dos telespectadores.

A morte do ator da Globo foi uma situação curiosa, pouco comum, talvez sem precedente na história da televisão do país. Por tabela, o falecimento do artista pôs fim à trajetória de um personagem carismático que conquistou o público pela simpatia, pelo senso de humor e a espontaneidade. Pouquíssimos brasileiros conheciam o artista Tom Veiga que interpretava o Louro José, o papagaio tagarela que se tornou a atração principal do programa matinal da apresentadora Ana Maria Braga. Mesmo assim, milhões de fãs se comoveram com a sua morte que foi notícia internacional.

Em um país dividido e polarizado em que até as vacinas são motivo de discórdia, o louro narigudo, que se declarava irmão gêmeo do apresentador Luciano Huck, era uma rara unanimidade. Sagaz no improviso, essencial para a instantaneidade da TV, o papagaio falante fazia o protótipo do animador de auditório espirituoso, bem-humorado, sempre atento para não perder a piada da vez. “O que passa pelo rio sem se molhar? A ponte”, respondia o papagaio dando muitas gargalhadas da sua piada simplória. Segundo o próprio criador, o Louro José também era encrenqueiro, galanteador e às vezes até politicamente incorreto. Expressava uma ambiguidade meio marota que misturava o comportamento adulto e infantil. Além de falarem muito, papagaios são espertos o bastante para não entrar em divididas e em temas polêmicos. O máximo que o louro fazia era corrigir algumas gafes da apresentadora Ana Maria, sem ser ofensivo. Era a diplomacia da cordialidade nas relações humanas.

Na sua gênese, os papagaios são associados às piadas e à diversão numa época em que o humor anda em baixa. Os bons comediantes já se foram bem antes de Tom Veiga: Ronald Golias, Chico Anísio e Astrogildo Ribeiro para citar apenas três. O inspirado Jó Soares, que abandonou a profissão, sempre disse que não há nada mais difícil no mundo do que fazer um ser humano ou o público rir. A nova geração que ascendeu está bem aquém dos bons humoristas do passado.

Por isso, o louro reinava absoluto em todas as manhãs. Dava para o público uma pílula de humor, rápida, no bate e rebate que fazia ao vivo com a apresentadora. Boa parte da audiência nem assistia o programa inteiro, dava uma espiada no papagaio verde e amarelo para ver qual era a graça do dia e dar um discreto sorriso. Mesmo que todo mundo soubesse que o criador estava escondido atrás da mesa fazendo a dublagem, a típica brincadeira divertia e quebrava a rotina automática dos dias atuais. Parecia um jogo de criança. Todo mundo acreditava que o papagaio estava falando, mesmo que todo mundo soubesse que não era verdade. Os artistas mais talentosos dizem que a simplicidade costuma ser uma mãe genial das grandes criações. Dito e feito. Nesses tempos de ares melancólicos, o papagaio falastrão conseguia a magia de entrelaçar a realidade com a fantasia, um feito que sempre mexe com o imaginário de crianças e adultos. A alegria perdeu um animador talentoso e milhões de pessoas sentirão falta desta pitada de humor matinal.

 

*Ilustração: Petit Abel @petitabel

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