
O populismo do Trump
A eleição do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, demonstra de forma inequívoca a força da globalização. No dia seguinte a eleição, a notícia “bombou” na internet e um grande alvoroço se instalou nas bolsas do mundo inteiro. Em outros tempos, os brasileiros poderiam ficar indiferentes e soltar aquela velha máxima de que “cada país tem o presidente que merece”. Hoje, não se pode ignorar os Estados Unidos, o segundo parceiro comercial do Brasil com exportações na ordem de US$ 50 bilhões por ano. Além disso, os vizinhos do norte desempenham um fator de equilíbrio na economia mundial e a eventual criação de barreiras comerciais prejudicará os negócios das empresas nacionais. Para completar, muitos brasileiros vivem ilegalmente nos Estados Unidos e se Trump cumprir o que prometeu uma leva terá de pegar o caminho de volta. Lembrando que por aqui já estão faltando 12 milhões de empregos. Em tempo de economia fragilizada, qualquer má notícia vira um grande problema.
Dessa forma, mesmo contrariados, os cidadãos brasileiros, a imprensa, as empresas e os governos tentam entender o que ocorreu nos Estados Unidos e adivinhar quais serão os passos do novo presidente americano na hora em que estiver com a caneta da mão. Aliás, além da caneta, segundo a revista Economist, quando tomar posse, o novo presidente americano receberá um cartão com senhas que possibilitam acionar as poderosas armas nucleares americanas, majoritariamente direcionadas à Rússia, à China, ao Irã, à Europa e à Coreia do Norte. Com uma decisão unilateral, o soberano Trump pode disparar essas armas sem necessidade de dar satisfação a ninguém. Doravante, a paz mundial depende do equilíbrio do temperamental Donald Trump que até aqui nunca foi exemplo de personalidade centrada.
A surpresa com o resultado da eleição demonstra que o mundo está mesmo cada vez mais difícil de compreender. Em junho deste ano, a racionalidade da lógica sugeria que a melhor opção para os britânicos seria a permanência na União Europeia. Os ingleses pensaram ao contrário e decretaram o “Brexit”. Difícil dizer se foi Donald Trump que ganhou ou se foi Hillary Clinton e o Partido Democrata que perderam. Debutante na política, o republicano nunca havia disputado uma única eleição e na primeira tacada se elegeu presidente dos Estados Unidos. Provavelmente, os dois fenômenos ocorreram. O magnata que ficou rico explorando os cassinos não fez questão de esconder o nacionalismo exacerbado, a xenofobia, o tratamento desrespeitoso com as mulheres, o patrimonialismo provinciano e protecionismo, atributos que derrubariam qualquer candidato em disputas democráticas. Nem assim, contra um candidato com tantos defeitos, a candidatura de Hillary empolgou, ficou sempre cheirando a mesmice, envolta em denúncias de fraude e de corrupção.
Assim como os brasileiros, os americanos também estão cansados da política tradicional. Daí a opção pelo “outsider”, o candidato que adota um discurso radical contra o sistema. Ao contrário de uma parcela significativa da população brasileira que despreza o voto e nem está habilitada para votar na cidade onde mora, uma silenciosa maioria do eleitorado americano decidiu virar a mesa e conseguiu.
Trump significa a ascensão de um novo tipo de populismo, demagógico, e protecionista, uma prática política bem conhecida que já produziu resultados trágicos na América Latina. Pela incoerência do discurso não pode ser classificado nem de direita e muito menos de esquerda. O magnata promete reduzir os impostos das grandes corporações ao mesmo tempo em que acena com um grande banquete para os excluídos da globalização. Essa conta ficará para o déficit fiscal. Assim como ocorre em outros países do mundo, o candidato republicano surfou no vazio que surgiu entre o eleitorado e os partidos tradicionais. Nesse fenômeno mundial, o centro está em queda e os extremos estão se fortalecendo. Em tempos de informações fragmentadas, cada um consome algo do próprio interesse, sem prestar muita atenção nos argumentos alheios. Há um debate surdo nas mídias sociais. Durante a campanha, com a maestria de bom comunicador, Trump apelou aos desejos reprimidos das massas, dizendo exatamente o que eleitorado queria ouvir. A grande incógnita do mundo é que ninguém sabe ao certo o que o magnata fará quando estiver no poder, por isso, ele se tornou para o mundo um presidente surpreendente, imprevisível e potencialmente muito perigoso.
Foto: Michael Vadon