
O “pranchaço” da República
A prisão dos réus do mensalão fez com que milhões de brasileiros mais céticos mordessem a língua e assistissem, estupefatos, à prisão de eminentes figuras. Quis o destino que o encarceramento coletivo acontecesse, de forma emblemática, em Brasília, no dia da Proclamação da República. Os brasileiros sabem bem que a Capital Federal ainda esconde incontáveis casos de corrupção, simboliza a ignomínia pública deslavada. A jovem República nacional ainda tem um longo caminho a percorrer até que todos os cidadãos possuam de fato direitos relativamente iguais. Mesmo que esse pressuposto da igualdade republicana não passe de uma abstração em algumas bandeiras, é esta utopia que mundo afora move homens e nações sedentos por Justiça.
Os incrédulos sempre tiveram boas razões para se tornarem céticos convictos. Desde que a República foi proclamada pelas ideias positivistas, há 124 anos, os governantes e os séquitos que circundam o poder criaram a sensação de que eram inatingíveis e que poderiam se apropriar do Estado. Pensavam que ficariam impunes para o resto de suas vidas. Esse comportamento, de forma mais ostensiva, materializou-se com a chegada do PT ao poder. O Partido que surgiu e cresceu, justamente, combatendo a corrupção concluiu que a “nobreza” da concepção programática justificaria os desmandos que afrontavam a lei. Nesse encantado reino da lama, valia comprar a base aliada, desviando no meio do caminho uma parte do furto para os próprios bolsos.
Mas, como muita gente sabia do esquema, alguém haveria de dar com a língua nos dentes. Depois do vídeo com o funcionário do Correio embolsando uma grana em 2005, o ex-deputado Roberto Jeferson (PTB) contou tudo o que sabia, arrastando congressistas, empresários e a cúpula do PT para o xadrez. Delator do esquema, Roberto Jeferson, um dos condenados, diz que pagou um preço caro demais pelo seu “ato de civismo,” mas que não se arrepende. O PSDB, em nítida desvantagem eleitoral no pleito presidencial, tenta aprofundar a crise petista. Os condenados presos cerraram os punhos no revolucionário gesto de outrora, da luta até a vitória, alegando que o julgamento foi político. O eleitorado brasileiro sabe que não foi. No processo que se arrastou por 12 anos, o transitado em julgado parecia uma quimera sem porvir.
Para vislumbrar o significado do que ocorreu é necessário deslindar essas azáfamas. A prisão dos mensaleiros não significa a redenção definitiva da República que continuará sendo posta à prova todos os dias. Não dá para esquecer que há três meses houve um grande retrocesso. O Congresso Nacional absolveu o deputado Natan Donadon, um presidiário condenado pelo desvio de verbas. Tal qual um ioiô, a República democrática retrocede e avança. Para nossa alforria, mais avança do que retrocede. No caso do Mensalão, a prisão dos condenados evidencia a ação da lâmina afiada do limpa-trilho da democracia, fazendo a depuração que um dia colocará o padrão da governabilidade em níveis mais aceitáveis. Quando este texto estava chegando ao final, alguns presos já tinham recebidos indultos, remissões, clemências e as indulgências da lei. Não importa. A simbologia da prisão deixa como conotação a subliminar mensagem que os poderosos podem até gozar de privilégios e de proteção especial, mas que não são inatingíveis. Tal qual o ippon do judô, desta vez, um grupo de poderosos levou um “pranchaço” da República. Os mensaleiros estão com os ombros lanhados. Alguns dias ou algumas horas na cadeia deixam vergões na imagem que nem o tempo consegue apagar.
Murilo Pinheiro