O prende e manda soltar

O prende e manda soltar

As altas esferas do poder Judiciário estão contaminadas pela guerra cada vez mais declarada entre o Ministério Público e setores da Magistratura, incluindo uma ala do Supremo Tribunal Federal (STF). A operação Lava-Jato, desencadeada em março de 2014, ganhou uma projeção midiática sem precedentes, o que também acendeu a chama da vaidade entre promotores, juízes, desembargadores e ministros do STF. À medida que a operação foi avançando, surgiram conflitos acirrados entre os “garantistas” (avalistas da liberdade individual a qualquer preço) e os punitivistas (aqueles que defendem as punições, especialmente com cadeia) sem que o processo esteja total ou parcialmente concluído. Quando um clima de guerra se instala, sempre sobram derrotados. No caso em questão, os perdedores são o cidadão brasileiro e a própria Justiça. 

O Judiciário possui uma estrutura complexa com várias instituições envolvidas, uma extensa hierarquia e uma infinidade de recursos que fogem à compreensão do cidadão comum. O “eu prendo e você manda soltar” que se instalou no país criam divergências até mesmo entre especialistas e diminui a confiança do cidadão comum na Justiça do país.  O caso mais recente dessa controvérsia política e jurídica foi a prisão preventiva e a soltura do ex-presidente Michel Temer apenas quatro dias depois de ser encarcerado. A prisão de Temer foi comemorada como um gol da Seleção Brasileira, mas não era preciso ser nenhum especialista em direito penal para constatar que do ponto de vista jurídico a medida não se sustentava. Sob o ângulo moral ou político, o encarceramento do ex-presidente está mais do que justificado. Temer possui um extenso e desabonador currículo que hoje inclui nove processos judiciais ainda em tramitação, nenhum deles chegou ao final ou teve uma decisão de segunda instância.

Cinco estão no STF. Segundo os apressados procuradores da Lava-Jato, o ex-presidente era o chefe de uma organização criminosa que desviou R$ 1,8 bilhão em propinas e lavagem de dinheiro. De acordo com a Polícia Federal, a famosa mala que o deputado Rocha Loures carregava apressadamente tinha Temer como destinatário. Durante o período em que ocupou a presidência, barganhando cargos e votos, conseguiu se safar de dois processos de impeachment. Delatores da Lava Jato apontaram o seu braço direito, o coronel Lima como o operador financeiro do ex-presidente. Todas essas acusações, no entanto, não são fatos novos.
       
Não havia uma decisão de segunda instância que justificasse a prisão ao contrário, por exemplo, do que ocorreu com o ex-presidente Lula.  A sentença só continha a verve inquisitória do juiz Marcelo Bretas da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro. A regra para a prisão preventiva é clara. Só pode ser preso, antes de uma decisão de segunda instância, quem representar uma ameaça à instrução processual, estiver destruindo provas, ameaçando testemunhas ou planejando a fuga. Esses elementos precisam estar evidentes nas provas anexadas ao pedido de prisão preventiva. Fora disso, a constituição precisa ser respeitada assim como o andamento do processo, apesar da torcida quase unânime contra o ex-presidente para que pague pelos crimes que cometeu. A Justiça não pode apenas levar em conta a capivara do réu. Para que a parcialidade não se estabeleça e a lei seja a referência, há que se analisar o conjunto das provas e não o conjunto da obra para que as condenações ocorram com base em fatos e não na presunção. Prisões efêmeras não passam de um espetáculo midiático. 

Nesses momentos de grande histeria, vale escutar vozes sensatas, caso do ex-presidente do STF, Carlos Ayres Britto. “O juiz não conseguiu demonstrar que a liberdade do ex-presidente era comprometedora.” Em um trecho da sentença, Marcelo Bretas escreveu que com um clique na internet é possível movimentar uma conta para esconder dinheiro, mas uma generalidade dessas está longe de justificar a prisão de alguém. O desembargador Ivan Athié ,que concedeu o habeas corpus, classificou a prisão preventiva decretada por Bretas como uma visão “caolha” do processo. Para ter credibilidade, a Justiça precisa de consistência e durabilidade. O festival de sentenças revertidas em menos de uma semana só cria confusão, não torna mais eficaz o combate à corrupção no país e faz com que o cidadão diminua a sua confiança na Justiça.  

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