
O purgatório dos serviços
O sofrimento das mulheres começou no paraíso, mas a maldição que recaiu sobre a vida dos consumidores perdura através dos séculos. Desde a criação do Universo, o machismo criou raízes em diferentes sociedades. Esta passagem obscura está na própria Bíblia. Por que todos os pecados do mundo caíram nas costas da Eva, enquanto o Adão ficou incólume? Um dito popular levanta a teoria de que Eva comeu a maçã porque a serpente assoprou que emagrecia. O fato é que na esteira desse pecado original, consumidores do mundo inteiro, e principalmente do Brasil, foram amaldiçoados. Nunca mais tiveram paz e tranquilidade e, diariamente, enfrentam as desditas do purgatório.
Está escrito na tábua de Moisés que não levantarás falso testemunho, mas a grande maioria das empresas prestadoras de serviço promete colocar o consumidor em primeiro lugar. Contudo, na hora em que ligares para reclamar, falarás com secretárias eletrônicas que te farão digitar números em sequências infinitas. Quando pensares que estás próximo de solucionar o teu problema, tua ligação cairá e terás que recomeçar tudo de novo. Nenhum ser humano te escutará e serás condenado a falar com as máquinas pelo resto da eternidade. Assim, promulgarás todas as blasfêmias que conheces e mandarás todos para o fogo do inferno.
Quando efetuares compras e exigires a nota fiscal, ouvirás um verdadeiro sermão de desculpas. Escutarás que pelos misteriosos caminhos do universo, o “sistema” está fora do ar e que não há previsão de retorno. No dia do teu sagrado fechamento de mês, ficarás sem internet. Ligarás desesperado na empresa prestadora de serviço e ouvirás explicações vagas. “Há um problema na rede”. Sem a conecção te sentirás só no universo e teu dia será um martírio.
No santo dia da tua folga, entrarás em um restaurante, mas teu atendimento será demorado. Verás que funcionários conversam alegremente sobre as artimanhas do Félix na novela das nove ou sobre a última rodada do Brasileirão, mas nenhum deles notará a urgência da tua fome. Aí, erguerás os braços, mandarás sinais, mas nem assim tua coreografia será percebida. Ficarás nervoso e te sentirás como a última criatura do universo. Teu coração se encherá de ódio, tua pressão subirá e tua mente será tomada pelos piores desejos. Quando, finalmente, fores atendido, verás que teu prato veio errado e te arrependerás de ter saído de casa. Contarás até mil e pedirás ao Criador que te dê força suficiente para não cometer nenhum sacrilégio.
Em muitos momentos deste teu calvário, sairás de casa para buscar um aparelho eletrônico que mandaste consertar. Quando estiverdes dentro da loja, descobrirás que o serviço não ficou pronto conforme o combinado. Ouvirás muitas lamúrias, lamentações e que terás que retornar outro dia. Inconformado com mais esse descaso, rogarás inúmeras pragas e desejarás que o dono da empresa, o gerente e todos os funcionários ardam para sempre nas chamas do purgatório.
Quando fores às compras, encontrarás toda a sorte de facilidades, mas depois que efetuardes o negócio, encontrarás ventos e tempestades se o teu produto estiver com algum defeito. De ti serão exigidos os comprovantes, as notas fiscais, os protocolos e terás que fazer inúmeras ligações para o SAC. Vaguearás como um camelo pelo deserto do bom atendimento. Serás empurrado de um setor para o outro. Falarás com o Pedro, o Paulo e o Mateus, mas nenhum desses apóstolos se comoverá com a tua peregrinação.
Mesmo quando estiverdes em férias, nem assim te livrarás da provação. Pagarás uma alta taxa de embarque, mas encontrarás aeroportos superlotados, com longas filas no check in e entrarás em banheiros abarrotados. Quando tiveres fome, descobrirás que um mísero lanchinho valerá mais que um bezerro de ouro. Balançarás a tua cabeça diante de mais esta provação provocada pelo original pecado do paraíso. Nesse momento te sentirás só e pensarás que és pó e que ao pó retornarás. Mas aí te lembrarás do versículo de Mateus: bem aveturados os que têm fome e sede justiça porque serão fartos.