O que pode brotar no novo ano

O que pode brotar no novo ano

John Lennon sempre revive em cada final de ano. No último, Paul McCartney esteve no Brasil e as lembranças da banda insuflaram a onda saudosista. Entre as canções que encantaram gerações, uma incorpora a mística do Natal.

Lennon fez uma música já meio fora de moda para os padrões de um mundo tão individualista, que fala de uma civilização imaginária, sem fronteiras, sem nações e sem bandeiras. Trinta anos depois da sua morte, o noticiário da TV propagou as inúmeras rachaduras do mundo na passagem para o ano que começa.Embora pareçam problemas distantes, que pouco tenham a ver com a realidade do dia a dia, o Irã quer fabricar a bomba atômica a qualquer preço e a estabilidade mundial pode explodir se o ditador que governa a Coreia do Norte riscar o fósforo da guerra, sem falar nas explosivas revelações do site que tornaram públicas as baixarias da diplomacia internacional.

Apesar dos desejos e do champanhe, em 2011 continuaremos habitando um planeta tão frágil quanto à saúde humana. Os mortais se antagonizam em cidades, estados, países, continentes, empresas, conglomerados, raças, credos religiosos, mesmo que um simples olhar mais atento escancare essa inconsistência dos rótulos, das divisões e dos valores reproduzidos inconscientemente por uma sociedade induzida ao consumo exacerbado.No plano internacional, por exemplo, esse processo se sofisticou criando abissais diferenças. Surgiram os poderosos blocos econômicos, as barreiras comerciais, a xenofobia e os organismos que congregam só os países mais ricos. O ser humano deveria se reconhecer no próximo, mas isso não ocorre como deveria.

Quando chegam o Natal e o fim de ano, o velho Noel tenta dar uma amenizada na avareza humana. Por alguns dias, uma onda de solidariedade se espalha. Alguém sempre olha para o próximo, os esquecidos são lembrados, há uma protocolar troca de mensagens, atualmente via e-mail, e a vida parece ganhar contornos mais humanos. Contudo, quando o ano recomeça, a doce ilusão se esvai e a velha lógica competitiva da vida consumista logo se impõe. Um estrondoso sucesso de vendas é o iPod, um aparelhinho moderno cuja principal vantagem é a capacidade de armazenar 40 mil músicas, mesmo que sejam necessárias muitas re-encarnações para conseguir ouvir tamanho arquivo musical.

No mapa do Brasil se delineiam fronteiras que não fazem muito sentido. Devem obedecer a alguma lógica mercantilista de outrora, sem levar em conta a essência da natureza humana. Certos marcos — monumentos de pedra — separam o Brasil do Uruguai na fronteira gaúcha. Em Rivera e Livramento, uma simbólica rua aparta os brasileiros dos uruguaios, mesmo que laços afetivos tenham miscigenado as famílias. Rios com nomes diferentes delimitam a geografia do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, embora os “catarinas” sejam ávidos consumidores de chimarrão e de churrasco. Por sua vez, os gaúchos são os maiores apreciadores das belezas do litoral catarinense. O maior sucesso de aviação comercial brasileira é a ponte aérea Rio-São Paulo, mesmo que paulistas e cariocas sejam rotulados com estilos antagônicos de vida.

Como não há nenhuma discussão para que seja feita uma revisão das fronteiras, o mundo não deveria ser cosmopolita só pela imposição da globalização. A autenticidade das relações depende de uma nova forma de encarar a vida, com mais atenção, profundidade e solidariedade, sentimentos que brotam à revelia da geografia. Eis aí uma boa meta para 2011. Um bom ano para todos! 

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