O que sobra do processo

O que sobra do processo

Os profissionais do mercado dizem que a economia vive de expectativas. Não há dúvidas sobre isso. A economia gira em torno dos projetos futuros dos agentes sejam os investimentos milionários de uma multinacional ou o dinheirinho suado do cidadão comum que guarda uns trocados para comprar uma geladeira ou trocar a televisão da sala. Entre vários erros — das pedaladas às fraudes eleitorais — esse foi o maior pecado cometido pelo governo da presidente Dilma Rousseff: gerir a economia de maneira tão desastrosa a ponto de paralisar o país e congelar as expectativas dos cidadãos. Se, no primeiro mandato, foi possível mascarar os números, a segunda gestão matou a esperança de milhões de brasileiros, inclusive os que votaram no seu projeto de governo.

Contudo, não se pode perder a esperança em dias melhores. Tanto na vida como na economia, as crises sempre ensejam ensinamentos que permitem evoluir. A primeira grande lição delas aponta para a importância e a valorização do voto, um ato político para o qual a população dá pouca importância. Muitas pessoas tratam a participação política com descaso, votando em qualquer um, ausentando-se das votações, mantendo o título eleitoral fora do seu domicílio, alienando-se da discussão. Políticos sobejamente corruptos prosperam por muitas legislaturas. Está aí o deputado Paulo Maluf com direito a voto na comissão do impeachment.

A experiência atual está demonstrando as dificuldades para desconstituir um governo, mesmo que a corrupção no seu interior e nas suas redondezas, no passado e no presente, esteja escancarada. Na semana da votação do impeachment, a redentora lava-jato chegou a 28ª operação. 

Por outro lado, a atual crise recolocou a política na posição em que sempre deveria permanecer: em primeiro plano. Uma parte da população brasileira ainda não percebeu que a política, mesmo parecendo algo distante, com o centro do poder em Brasília, impacta diretamente na vida de todos os cidadãos que sentem os efeitos do desemprego, da inflação alta, dos juros exorbitantes ou mesmo da saúde malcuidada que permite o alastramento de doenças graves e a deterioração dos hospitais. Por mais que os defensores do governo queiram tratar o assunto como uma formalidade administrativa, as pedaladas fiscais, a malversação dos recursos públicos não são algo abstrato, mas um crime contra a economia da população mais pobre. Isso precisa valer para todos os governos, os atuais e os anteriores. 

A corrupção gigantesca demonstrou, de forma inequívoca, a falência do sistema político atual que precisa ser reconstruído com a mesma importância da manutenção ou do afastamento da atual mandatária. A gravidade da crise também colocou na ordem do dia o debate político, mesmo que seja uma questão pontual a favor ou contra o impeachment. O Brasil se ressente de discussões mais relevantes. O futebol não deveria ter tanta primazia sobre o interesse público. Os excessos cometidos nesse processo fazem parte do aprendizado da educação política que inclui a liberdade de expressão, o respeito pela posição contrária e a tolerância. Em um país em que todos os números são gigantescos, poucos incidentes foram registrados até agora, o que torna positivo o saldo do processo de impeachment.

O cidadão precisou tomar posição. Daqui a algum tempo, quando se fizer uma análise do processo atual, será possível ver que a mobilização que tomou conta do país entrou para a história dos melhores momentos ao lado da votação das diretas e do impeachment do ex-presidente Fernando Collor. A mesma postura pode ser repetida para pressionar por mudanças em outras áreas importantes como a saúde, a segurança e a educação. O caminho está aberto. 

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