
O racismo brasileiro
No Brasil, existe o que se poderia chamar de um racismo velado, dissimulado com características bem peculiares. Ninguém assume a condição de racista, mas a todo o momento eclode algum episódio que denuncia essa situação de opressão. Os fatos envolvem pessoas famosas como o jornalista William Waack ou desconhecidos como o ator negro, Diogo Cintra que foi assaltado e agredido por seguranças de um terminal de ônibus em São Paulo. O racismo contundente transformou a vítima em criminoso. Se forem inquiridos, nem o jornalista da Rede Globo e nem os seguranças do sistema de transporte de São Paulo jamais irão se declarar racistas. Toda vez que esse racismo sorrateiro vem à tona, ele precisa ser combatido. O Brasil nunca será uma democracia racial, enquanto ninguém se declarar racista e a discriminação estiver cristalizada nas relações sociais.
Uma pesquisa recente revelou que 98% dos brasileiros admitem que o preconceito racial existe de maneira muito evidente no país, mas, contraditoriamente, apenas 1% assume o comportamento racista. Essa disparidade cria uma desigualdade escamoteada que forja um Brasil dissimulado, uma falsa democracia racial que esconde conflitos e perpetua injustiças e humilhações. O racismo no Brasil não é algo difícil de entender. Basta olhar um pouco a história para constatar que a terra descoberta por Cabral manteve um dos mais longos períodos de escravidão da história mundial, mais de três séculos ou mais 300 anos. Os negros acorrentados vieram para cá junto com as primeiras expedições. Contam os historiadores que Martim Afonso de Souza já trouxe alguns escravos nos navios. O Brasil foi o último país do Continente Americano a abolir a escravidão em 1888. Os reflexos dessa herança pesada saltam aos olhos até hoje.
Contudo, nada de concreto foi feito para oferecer à população negra possibilidades de ascensão social. Mesmo após a abolição, os negros continuaram como cidadãos de segunda classe, marginalizados, vivendo na miséria e confinados na periferia das cidades. A abolição ocorreu no papel, mas de fato não foram criadas políticas públicas que possibilitassem uma igualdade mínima. A escravidão permaneceu só que com grilhões mais sofisticados: a exclusão, a falta de oportunidade e a discriminação. Essa situação de injustiça se comprova em qualquer indicador econômico. Os domicílios sem banheiro ou água encanada, os analfabetos e as pessoas assassinadas têm algo em comum: os negros estão na ponta dessas estatísticas. Eles também morrem mais cedo, não possuem representação política equivalente e são as maiores vítimas da violência. Quem não confia nas estatísticas pode observar os frequentadores dos shoppings, os diretores das empresas e a grande maioria dos alunos das universidades. Embora sejam a maioria (54%), os negros são a população mais pobre e que menos têm acesso a serviços básicos e de qualidade.
Até agora, pouco feito para que brancos e negros tenham uma situação de igualdade. No começo do Século XX, algumas teorias previam que com a miscigenação haveria um “embranquecimento” gradual. Apesar de ser vaga, a Lei Afonso Arinos, em 1951, foi o primeiro instrumento jurídico para proteger a população negra. A Lei do Racismo, que transforma o ato preconceituoso em crime inafiançável, data de 1989, 101 anos depois da abolição da escravatura. O passo mais significativo dado até hoje foi o sistema de cotas das universidades públicas, a primeira porta que se abriu para a emancipação socioeconômica da população negra. Atualmente, pretos e pardos representam 27% das matrículas, bem melhor do que os 8% anteriores.
Pesquisadores apontam que no Brasil existe uma espécie de racismo cordial que tenta mascarar e minimizar essa realidade. Proliferam argumentos insossos. Os negros que reagem com veemência aos ataques são tão racistas quanto os agressores. Agora está se instalando uma ditadura do politicamente correto, dizem que qualquer “coisinha” vira um escândalo. Na verdade, isso pode ser entendido como reação de defesa dos que estão tendo seus valores preconceituosos confrontados. As piadas infames, os comentários maldosos, os termos pejorativos, os gestos de reprovação e o olhar desrespeitoso são ingredientes de um grosso caldo cultural que mantém vivo o preconceito no Brasil. Assim como outras distorções sociais, um dia o racismo será vencido. Pode demorar séculos, mas o senso de justiça e de igualdade são mais fortes e perenes que a discriminação e o apartheid social. Hão de triunfar. A velocidade desta mudança depende do grau de conscientização que cada cidadão vai adquirindo na interpretação dos episódios do cotidiano.