O refrão da Beija-Flor

O refrão da Beija-Flor

As questões mudam, os debates avançam, as denúncias se sucedem, mas o Brasil não sai do fio da navalha. Assim tem sido, nos últimos tempos, com as instituições sendo testadas e decidindo questões delicadas que frequentemente dividem o país ao meio. O primeiro presidente eleito depois da ditadura e da Constituição de 1988 teve o mandato cassado pelo Congresso Nacional e a grande maioria da população brasileira não tem dúvidas de que a decisão foi acertada. Por sinal, 30 anos depois, Fernando Collor está de volta à cena da sucessão, lançando a sua candidatura à presidência da República. Isso demonstra que não tem sido fácil para a democracia brasileira se livrar dos corruptos. 

Outro caso bem mais longevo e o do deputado Paulo Maluf que sobreviveu por décadas na política, apesar de procurado pela Interpol e dos inúmeros processos no currículo. A primeira denúncia que se tem notícia contra Maluf remonta a distante Copa do Mundo de 1970 quando o então governador presenteou cada tricampeão do mundo com um fusca pago pelo erário de São Paulo. Depois vieram a Paulipetro, o dinheiro desviado das pontes e dos viadutos e o dinheiro depositado em bancos da suíça. E Maluf continuou lá, firme e forte. Até hoje o eleitor brasileiro vê o senhor de bengala, entrando e saindo da cadeia, mas com as vantagens e a proteção da lei a que tem direito um deputado federal. Junto com mais dois colegas condenados, o deputado paulista acumula as funções de deputado e de presidiário, o que configura um escárnio inédito da política nacional.

O tempo passa, mas o país não sai da berlinda. Nos próximos capítulos, vem aí o novo julgamento da prisão já a partir da decisão colegiada em segunda instância cujo resultado terá influência direta no cárcere ou na liberdade do ex-presidente Lula. Por duas vezes, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a pena pode ser cumprida com uma decisão colegiada de segundo grau. O interesse de gente graúda está em jogo, por isso a chiadeira e a pressão que não para. Em fevereiro de 2016, a corte autorizou a prisão provisória por 7 votos a 4. Em outubro do mesmo ano, o placar foi apertado, 6 a 5. Com o entra e sai de ministros e a dança das posições, as projeções indicam que a votação está empatada em 5 a 5, faltando a decisão de minerva da discreta ministra Rosa Weber que nas duas votações anteriores foi voto vencido, posicionando-se contra o cumprimento da pena já na segunda instância.

A questão está cheia de ambiguidades brasileiras a começar pelos próprios votos da ministra Rosa Weber, contrária ao cumprimento da pena em segunda instância, mas favorável à consolidação de uma jurisprudência mais duradoura em relação a temas relevantes, para oferecer ao país uma segurança jurídica confiável. Afinal de contas, não pega bem perante a opinião pública mudar a decisão dependendo de quem senta no banco dos réus. Aliás, essa discussão toda foi acesa porque figuras ilustres, políticos e grandes empresários, que até então eram intocáveis na República, começaram a conhecer o desconforto das cadeias brasileiras. 

Além do aguardado destino do ex-presidente Lula e de punição para uma expressiva parcela corrupta da elite, está em discussão o artigo 5º da Constituição que declara que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Por outro lado, até aqui essa salva-guarda constitucional só propicou que a elite brasileira, escorada em portentosas bancas de advogados, protelasse indefinidamente o acerto de contas com a Justiça, não raro levando à prescrição dos crimes. O desfecho de uma questão crucial para o país está nas mãos da ministra Rosa Weber. Não se trata de uma decisão qualquer. O combate à corrupção e à impunidade são duas condições vitais para a sobrevivência da democracia em um país cheio de conflitos emergentes, mergulhado numa crise moral e às portas de uma eleição presidencial. A síntese do caos político está muito bem resumido no refrão da Beija-Flor que emplacou no Carnaval deste ano. 

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