
O respeito pela identidade
Coincidentemente, bem próximo do dia nacional da consciência negra, as manifestações racistas deram uma recrudescida no Brasil e em Ribeirão Preto. A data de 20 de novembro foi escolhida em homenagem ao líder negro Zumbi que morreu em 1695 na luta do Quilombo dos Palmares, onde hoje está localizado o Estado de Alagoas. A data da morte foi escolhida pelo movimento negro brasileiro para representar o Dia da Consciência Negra, definido por uma lei federal de 2011.
Os feriados e as datas comemorativas são importantes para chamar a atenção da sociedade para a desigualdade dos direitos e para o tratamento discriminatório dos cidadãos. Aos movimentos sociais cabe a tarefa de organizar atos e manifestações para despertar a consciência das pessoas. No Brasil, o clima tropical e a cordialidade aparente, na verdade, mascaram o preconceito que permanece arraigado na sociedade brasileira desde que a escravidão foi abolida em 1888. Essa distorção aparece claramente nas desigualdades econômicas em que os negros ocupam majoritariamente posições subalternas na sociedade. O movimento negro, através de seus representantes, sempre faz questão de mencionar que a abolição não foi uma dádiva do império, mas o resultado da luta dos escravos que continuaram resistindo no período imperial, mesmo depois que o Quilombo dos Palmares foi destruído pelo bandeirante paulista, Domingos Jorge Velho. Zumbi foi morto quase 200 anos antes da Abolição.
Ao feriado de 20 de novembro, soma-se outra conquista importante do movimento negro alcançado em 2012, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou constitucionais as cotas raciais no país. Embora na grande maioria das situações isso não passe de uma abstração da lei, o Estado tem a obrigação de combater o desequilíbrio econômico e promover a igualdade racial. Basta uma observação superficial da pirâmide social brasileira para constatar que os negros não dispõem das mesmas oportunidades que a população branca tem acesso. A educação com as cotas raciais tornou-se um caminho natural para a superação dessa distorção. Por isso, essa política de inclusão se justifica até o dia em que a democracia racial alcance os melhores cargos da administração pública, as profissões mais rentáveis das grandes corporações e os cursos das melhores universidades públicas e privadas.
As manifestações preconceituosas e xenofóbicas que aparecem com frequência nas redes sociais trazem à tona o racismo que perdura em segmentos da sociedade.As manifestações preconceituosas e xenofóbicas que aparecem com frequência nas redes sociais trazem à tona o racismo que perdura em segmentos da sociedade. Da convivência nas ruas aos campos de futebol, passando pelas mais conceituadas universidades, a intolerância racial faz uma espécie de vaivém entre as agressões públicas e as ocultas pelo anonimato.
Depois dos ataques racistas realizados em julho contra a apresentadora do tempo do Jornal Nacional, Maria Júlia Coutinho, agora foi a vez da atriz Taís Araújo. O jogador do São Paulo, Michel Bastos, também foi vítima de injúria racial após uma partida. A grande maioria dos atos de preconceito que ocorre nas ruas do país passa despercebida. No caso de pessoas famosas, há uma grande repercussão que revela a dimensão do preconceito. A atriz reagiu ao ataque, não apagou da página nenhum comentário e enviou o material para a Polícia Federal investigar. “É muito chato, em 2015, ainda ter que falar sobre isso, mas não podemos nos calar... Faço questão que todos sintam o mesmo que eu senti: a vergonha de ainda ter gente covarde e pequena neste país, além do sentimento de pena dessa gente tão pobre de espírito. Não me intimidarei, tampouco abaixarei a cabeça”, escreveu a atriz na sua página.
Em Ribeirão Preto, pichações contra estudantes negros voltaram a aparecer no campus da USP. O racismo não fica bem em lugar algum, muito menos nos banheiros do curso de Direito. A Faculdade, que possui uma larga tradição democrática, condenou de forma enfática as pichações. A direção acertou em considerar que a manifestação racista também é um ataque à instituição. Esse é o caminho para alcançar o respeito pela diversidade de gênero e de identidade, duas questões que hoje são prementes no país. Ao mesmo tempo em que não se deve generalizar o ato a toda universidade, a comunidade da USP deve se empenhar para identificar e punir os culpados. Essa é a resposta que a sociedade espera para combater o preconceito.