
O retrocesso da informação
Não é à toa que a constituição de qualquer país de pensamento pluralista coloca a liberdade de informação como uma questão vital ao funcionamento da democracia. Por isso, ameaças a profissionais de imprensa e à liberdade de informação ganham tanto destaque. As agressões não se restringem ao indivíduo, mas à instituição que ele representa. O assassinato de um jornalista reveste-se dessa gravidade, sem que isso signifique que a vida desse profissional seja mais importante que a do cidadão comum. Quem, arbitrariamente, mete a mão na frente de uma câmera ou de uma máquina fotográfica numa manifestação não está só impedindo milhares de pessoas de serem informadas. Também está infringindo uma cláusula pétrea da constituição.
No Brasil, a liberdade de imprensa esteve cerceada em vários períodos da história pela censura política de governos ou pela censura econômica engendrada por grandes empresas. Em muitas circunstâncias, a censura política e a econômica se associam. Certamente que na sociedade atual, as duas não foram extintas, mas seguramente não possuem mais o mesmo poder de veto que tiveram em um passado recente. Para o bem-estar da opinião pública nacional, nem mesmo os mais poderosos grupos econômicos passam incólumes a qualquer tipo de denúncia ou crítica da imprensa ou das mídias sociais. A influência dos meios mudou o mapa da abrangência. Um viral na internet tem muito mais força e pode ser bem mais destrutivo para uma organização do que a manchete de um grande jornal paulista com circulação praticamente restrita ao Estado.
A operação lava-jato configura um bom exemplo do arrefecimento da censura econômica. Desde que as investigações se iniciaram, os alicerces das mais poderosas construtoras do país chafurdaram no lamaçal de denúncias, os principais executivos estão ou estiveram presos. Essas empresas foram exaustivamente submetidas à pior de todas as exposições: o bombardeio do noticiário sobre desvios de verbas públicas, corrupção, formação de quadrilha e roubo. Nem instituições de grande porte como os bancos escaparam desse noticiário com a veiculação de transferências ilegais de dinheiro para paraísos fiscais. Há um componente novo no cenário da comunicação. Hoje, a pequena, a média e a grande imprensa vivem sob a vigilância constante dos usuários das mídias sociais que pautam as conversas informais e a atuação dos veículos. Quebrou-se o monopólio da notícia que até então era exclusividade da imprensa tradicional. Isso não significa que a sociedade atual esteja vivenciando a era da comunicação sem barreiras, sem restrição alguma, com a vigência da liberdade absoluta e do pleno direito à informação. Pelo contrário, há ainda muita informação relevante para ser tornada pública. Se não pode ser ocultada totalmente, a notícia ainda pode ser manipulada e obedecer a discutíveis critérios de relevância. No noticiário nacional da semana passada, o país teve um bom exemplo do grau de liberdade alcançado, fruto da redemocratização política e do funcionamento independente das instituições. No depoimento que deu à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados, o doleiro Alberto Youssef contou com naturalidade a juízes, procuradores, parlamentares e a todo o país, via depoimento gravado, que o Palácio do Planalto, leia a atual presidente da República e o ex-presidente tinham conhecimento da operação lava-jato. A informação que acusa a mais alta mandatária do país foi divulgada pelos principais veículos de comunicação, inclusive o Jornal Nacional da Rede Globo.
As mídias sociais transformaram cada usuário num disseminador de informação, mesmo que ele não tenha tempo ou interesse em apurar o conteúdo. Se na teoria, a difusão da informação foi democratizada, na prática, os mundos real e virtual mergulharam em um paradoxo. Ao mesmo tempo em que se experimenta um grau de liberdade sem precedentes, a notícia inverídica, o bizarro, o grotesco e o falso estão minando a transmissão de informações relevantes e consistentes.
Quem examina com atenção a caixa de entrada de mensagens constata que o processo está doentio e viciado. Os mais otimistas dizem que essa overdose de informação sem escrúpulos vai passar e que a credibilidade se encarregará de restabelecer as referências que, no momento, são difíceis de serem reconhecidas no meio de tanta confusão. Os mais pessimistas com o nível atual da informação costumam recitar uma frase atribuída ao criador do Facebook, Mark Zuckerberg, para retratar a inversão de valores vigente. “Um esquilo morrendo no seu jardim deve ser mais relevante para o seu interesse do que pessoas morrendo na África”. Será que depois de séculos em que a evolução dos meios aumentou o fluxo de informação disponível, chegou um momento em que haverá um retrocesso capaz de comprometer o desenvolvimento cultural e educacional das pessoas? Desde a invenção da prensa de Gutenberg, as civilizações mais avançadas fizeram revoluções e enfrentaram guerras para transformar a liberdade de informação em um preceito constitucional. Na era da internet, o teor das mensagens que circulam por aí revela que agora o grande desafio é saber como usar essa liberdade.