
O sectarismo nocivo
Os partidos já definiram os candidatos à presidência. No total, são 13 concorrentes das mais diferentes ideologias. Depois de refletir um pouco sobre um tema tão importante — ninguém desconhece que essa escolha influencia o futuro de 207 milhões de brasileiros nos próximos quatro anos — cada eleitor terá que definir os critérios que orientam a escolha, provavelmente sujeita a alguma mudança em função da propaganda eleitoral gratuita que está começando, dos debates e das entrevistas. Geralmente, as campanhas eleitorais ficam na superficialidade e o tempo da propaganda é insuficiente para conhecer as ideias em profundidade. Sem contar que os políticos se tornaram especialistas em enrolar o eleitorado, escondendo o que pensam e as reais intenções. Votar no Brasil, ainda mais para presidente, virou um arriscado ato de cidadania, sujeito a erros e enganos históricos com alto custo reparador.
Em primeiro lugar, deveria ser merecedor do voto do eleitor brasileiro somente o candidato que fosse íntegro, uma pessoa ética, honesta, idônea, sem envolvimento em casos de corrupção. A administração do patrimônio público é incompatível com a teoria “do rouba, mas faz.” Tampouco pode ser aceita a desculpa esfarrapada do “esse rouba, mas os outros também roubaram”. É preciso ainda superar a corrente pessimista que considera todos os políticos “desonestos por natureza”, sem que haja espaço para a mudança. Um candidato comprometido com a história recente do país deve defender publicamente os avanços democráticos duramente conquistados até aqui e se comprometer a respeitar o ordenamento jurídico existente. Embora esse sistema tenha problemas conhecidos, a mudança passa pelo aperfeiçoamento das instituições e devem ocorrer sob o crivo da sociedade civil.
A crise de representatividade dos partidos e o afastamento das lideranças fizeram com que o país ficasse meio acéfalo de estadistas ou mesmo de personagens minimamente consensuais com o perfil clássico ou seja alguém que reúna uma série de requisitos indispensáveis para exercer um cargo tão importante como a presidência da República. Além da questão política, o mais alto mandatário precisa de um conhecimento acima da média em economia, raiz principal dos graves e antigos problemas brasileiros que, entre outras consequências, mantém hoje uma imensa legião de 13 milhões de desempregados e exclui do mercado de trabalho um quarto da população brasileira. Não parece uma boa estratégia política julgar o candidato pela sua posição contrária ou favorável ao aborto. Trata-se de uma questão polêmica que não precisa ser decidida pelo futuro presidente, pelo Supremo Tribunal Federal, como está ocorrendo. Pelo retrospecto, o tema também não deve ser objeto de deliberação dos congressistas. Depois de um debate de seis meses, a questão pode ser decidida em um plebiscito, colocando na carona outras questões polêmicas, como ocorreu na proibição da posse de armas. Os tempos atuais demandam um candidato com discurso inclusivo em favor das minorias que hoje sofrem perseguições e discriminações em função da opção religiosa, da orientação sexual ou de gênero.
Na primeira eleição que terá forte influência das redes sociais, os movimentos são muitos rápidos. Ao mesmo tempo em que partidos escolhiam seus candidatos, os eleitores foram tornando públicas suas opções. Essa tomada de posição tem um aspecto positivo ao mesmo tempo em que oferece um grande risco. A opção política significa uma saudável tomada de consciência que afasta a alienação do processo. Já o risco se manifesta no sectarismo político que fecha os olhos em torno da própria opção para ironizar, desdenhar e até desrespeitar as escolhas diferentes. Esse conflito político partidário já se exacerba em discussões familiares, entre amigos e nas redes sociais e não raro descamba para o xingamento e o rompimento de relações. Em países extremados, frequentemente, vira uma guerra civil.
A escolha de um partido ou de um candidato está relacionada a uma imensa cadeia de valores que tem a ver com a educação e com as experiências de vida. Envolve a formação intelectual, o discernimento, a convicção religiosa, o conhecimento histórico, a capacidade para analisar ideologias e estabelecer a correlação entre os fatos. De forma majoritária, o próprio eleitorado brasileiro, em todos os níveis, já cometeu erros históricos. Os tribunais das mais variadas instâncias estão entupidos de processos de corrupção e cassação de políticos eleitos pelo voto popular. Basta olhar para o lado e ver países vizinhos mergulhados nos caos econômico ou pagando o pesado ônus das aventuras populistas. O Brasil tem jeito, mais isso depende da forma como eleitores e candidatos se comportarão no perigoso processo político que está começando.