
O senso comum da felicidade
Em cada começo de ano, brota a necessidade de pensar na felicidade, já que, pelo menos em um aspecto, quase todos os humanos que habitam este planeta são idênticos. À exceção dos masoquistas e dos que sofrem de algum distúrbio mental, a esmagadora maioria corre incessantemente atrás de uma vida com prosperidade, saúde, paz e alegria. Simplificadamente, esse estado de sintonia perfeita consigo mesmo e com o universo recebeu a denominação de felicidade. Por sinal, são metas e votos que foram renovados recentemente nas festas de final de ano. Os mais metódicos até fazem uma listinha e os mais desprendidos formatam o ideário em algum recôndito arquivo da mente.
Por isso, nessa idealizada lista que agrega componentes ao ideal de felicidade, sempre aparece com destaque a compra de uma casa, a frequente troca de carro e a viagem para lugares distantes. Nessa ânsia irrefreável, surge a imperiosa necessidade de comprar um novo celular. Pessoas com essa alma mais inquieta vivem às turras com a empresa em que trabalham e até com a profissão que exercem. Os mais exigentes nunca estão satisfeitos com parceiros da vida amorosa; acalentam as ilusões dos amores perfeitos e são devotos eternos das doces cantigas da esperança.
Pela complexidade, o tema é um dos preferidos dos cronistas, dos escritores e até dos jornalistas que escrevem um editorial por semana. Tem gente que ganha fortunas editando livros de autoajuda para ensinar os caminhos para quem não quer ter absolutamente nada a reclamar do destino. O Procon bem que poderia processar por propaganda enganosa essa plêiade de escribas que ganha rios de dinheiro vendendo a miraculosa fórmula que serve para todos que desejam ardentemente alcançar o estado de êxtase supremo.
A felicidade, em seu conceito mais puro e mais abstrato, depende mesmo de uma enorme sensibilidade que permita captar as sutilezas da vida. Há que se ter uma cintura flexível para saber driblar os reveses e conviver altivamente com os dissabores. O caminhante que até inconscientemente busca esse estado de espírito possui o dom de olhar além das vicissitudes do cotidiano. Consegue captar no horizonte que chega amanhã a força necessária para superar a dor e o sofrimento. Também tem como handicap do currículo a capacidade de perceber a poesia da vida na singeleza de um soneto com um magnífico poder de síntese escrito pelo poeta Vicente de Carvalho:
Esta felicidade que supomos,
Árvore adorada que
sonhamos
Toda arriada de mimosos pomos,
Existe sim, mas nós não a encontramos
Pois está sempre apenas onde a pomos
Mas é que nunca a pomos onde estamos
Um feliz 2012 sem falsas esperanças e com menos espaços para os simulacros da ilusão.