O sofrimento que apaixona

O sofrimento que apaixona

Não são lógicas as razões que vinculam torcedores a clubes. Como todos os dias tem futebol na TV, essa identificação passou a ser ostensivamente induzida pelos pais, familiares próximos ou amigos, que desde cedo colocam nos entes mais novos a indumentária da agremiação adotada pelo clã. Antigamente, antes da overdose de transmissão de jogos dos mais variados campeonatos e de programas esportivos chatos e enfadonhos, essa relação obedecia a escolhas mais espontâneas. O vínculo do torcedor se inspirava na cor da camisa, na tradição do time ou mesmo no puro encantamento despertado pelo futebol elegante de algum craque excepcional.

Nesse momento de transição no perfil de clubes e de torcedores, nada mais emblemático para o renascimento do Bafo do que a ressurreição em um domingo de Páscoa (24/04/2011). Desde que foi rebaixado em 1986, o Comercial parecia esquecido pela sorte. Nos momentos mais críticos, fiapos de pura teimosia de comercialinos históricos mantinham abertas as portas do Clube centenário. No começo da década de 90, o Bafo recebeu golpes duros, piores que o próprio rebaixamento. Foi penalizado por cortes de energia elétrica e pela penhora das torres de iluminação. O descalabro administrativo contrastava com o tamanho do estádio e com a torcida numerosa, que podia ser encontrada em todos os cantos da cidade inconformada com a situação de penúria e de abandono em que o Leão agonizava. 

O tempo foi passando e o Comercial seguia a sua senda de altos e baixos, às vezes, morrendo na praia, algumas sendo garfado por erros de arbitragem em quadrangulares decisivos e outras tantas se perdendo em desgastantes e insanos conflitos internos. O tortuoso calvário da volta exigiria altas doses de sofrimento. Certa feita, no final de 1993, ganhou, mas não levou. Venceu a Francana em uma decisão, conquistou o acesso, mas permaneceu na segunda divisão por conta de uma rasteira engendrada pela Federação Paulista de Futebol. Os anos passavam e a memória comercialina ainda remoía a amarga lembrança da marmelada entre o XV de Jaú e o América de Rio Preto que decretara o rebaixamento. Enquanto isso, as finanças do Clube eram corroídas por dívidas trabalhistas que culminariam na perda do Poliesportivo. 

No jogo da vida, muitas vezes, obstáculos viram barreiras intransponíveis que afastam dos seus objetivos os que não são perseverantes. No futebol, ao contrário, parece que a adversidade se transforma no combustível que incendeia a paixão pelo clube. Assim ocorreu com o Corinthians cujo jejum de títulos por 23 anos multiplicou pelo Estado e pelo país legiões de seguidores. 

Guardadas as devidas proporções na saga do Comercial aconteceu algo semelhante. As dificuldades acumuladas durante tantos anos serviram de motivação para virar o jogo. O acesso, conquistado dentro do campo sem qualquer tipo de contestação, pode agora inaugurar uma nova era para o futebol de Ribeirão Preto. Entretanto, o sobe e desce das divisões, que este ano derrubou de novo o Sertãozinho, mostra que ninguém tem cadeira cativa nesse restrito panteão do esporte. A rivalidade entre os dois clubes da cidade terá de servir de motivação para que dirigentes administrem com o profissionalismo e a competência que o futebol moderno exige. O grau de competividade alcançado pelo esporte cobra caro os desvios de gestão. O Comercial demorou 25 anos para quitar as duplicatas dos erros cometidos no passado, pagando inclusive dívidas com patrimônio. Agora, há uma nova história a ser escrita. Parabéns, o Leão mereceu voltar!

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