
O tempo de lambuja
Uma entusiasta geneticista deu uma preocupante boa notícia. A pesquisadora afirmou na TV que, em breve, o ser humano poderá viver até os 150 anos. Isso deve acontecer graças aos visíveis avanços da medicina que logo permitirão a substituição das peças com defeito. Depois de uma certa quilometragem, será possível trocar um rim, retificar o pulmão e colocar um coração novinho em folha. Alguns médicos contestam essa previsão. Argumentam que a expectativa média de vida vem aumentando, mas a máxima permanece inalterada há séculos, sem ultrapassar a barreira dos 120 anos.
Discussões científicas à parte, quando se pensa sobre o que a humanidade está fazendo com o valioso patrimônio dos anos, logo se recorre à ajuda dos filósofos. A propósito desse intrigante tema — o substancial sentido da vida — em uma recente entrevista, nas páginas amarelas da revista Veja, o filósofo Luís Felipe Pondé desceu a lenha na “intelligentsia” brasileira, batendo forte nas futilidades que rondam a vida da classe média. Pondé, um pensador contemporâneo rebuscado que publica uma coluna semanal na Folha de S.Paulo, ataca a superficialidade que teria tomado conta das relações sociais. Em síntese, o indômito filósofo afirma que os problemas amorosos, sexuais e profissionais continuam os mesmos, mas que hoje estão mascarados pelo abrangente véu da hipocrisia. Os seres humanos até poderão viver mais, mas conseguirão diminuir os níveis de complicação baseados na experiência adquirida com o passar dos anos?
É fácil constatar que os indivíduos estão cada vez mais enrascados com a própria vida, basta dar uma olhada no gênero que mais vende na literatura e que inunda as prateleiras de qualquer livraria. O mercado está cheio de soluções mágicas para resolver problemas existenciais. “A última grande receita é que se você lançar no universo boas energias, ele devolverá para você coisas boas. Essa é a última solução barata que estão vendendo no mercado”, critica o pensador, que não vê solução à vista para as complicações do ser humano.
O Globo Repórter da sexta-feira, 15 de julho, contrariou um pouco esses ácidos questionamentos do entrevistado da Veja. O programa desnudou histórias de pessoas que deram uma guinada na vida, em plena terceira idade, gente que aos 60 anos está fazendo planos para mais 10, 20 ou 30 anos. No encerramento, o próprio repórter Alberto Gaspar, um cinquentão que no início da carreira trabalhou em Ribeirão Preto, destacou a importância da realização para o bem-estar. Apareceram na tela os relatos de quem precisou mudar de profissão para garantir uma vida mais longa e mais saudável. O pedreiro que virou fotógrafo, a japonesa que se tornou campeã de natação aos 70 e a mulher que conseguiu ser mãe faltando um mês para completar 50 anos. A reportagem mostrou que essa prorrogação da longevidade abre caminho para a realização dos sonhos adiados e adormecidos. As histórias de gente do povo mostraram que, na maioria das vezes, o caminho da felicidade cruza com o da simplicidade. E olha que esse pessoal todo entrevistado pelo Globo Repórter talvez ainda nem soubesse desse faceiro tempo de lambuja, que a visionária geneticista disse que nos espera logo ali.