O torcedor mundial do Palmeiras

O torcedor mundial do Palmeiras

Já faz tempo que o futebol não dá bons exemplos. Fora de campo, com frequência, torcedores de quase todos os clubes do país, grandes e pequenos, promovem um quebra-quebra quando o time perde. Nos estádios ocorrem xingamentos racistas, demonstrações explícitas de homofobia quando o goleiro adversário vai bater o tiro de meta e atos de selvageria.  Em um jogo contra a Chapecoense, torcedores do Figueirense de Florianópolis simularam um avião caindo, uma maneira macabra de debochar da tragédia que matou a delegação do time de Chapecó em 2016. Dentro de campo, jogadores simulam faltas e promovem um festival de quedas para enganar os árbitros. Seguidamente, as disputas são resolvidas no estilo “machão” com peitadas, empurrões e entradas maldosas .
Diante desse conteúdo esportivo e social tão ruim, alguns veículos de comunicação passaram a prestar atenção no entorno dos estádios, procurando histórias que retratassem uma visão mais social, humana e construtiva do futebol. As matérias foram surgindo para tentar resgatar o poder transformador do esporte. Num jogo do Palmeiras contra o Corinthians, o repórter do Globo  Esporte, Marco Aurélio Souza, viu uma mãe que fazia o papel de narrador para contar ao filho autista o que acontecia dentro de campo. Em tempos de internet, a história comovente rapidamente correu o mundo. Silvia Grecco, a mãe narradora, adotou Nickollas quando ele ainda estava no hospital. O menino nasceu prematuro com cinco meses e não houve tempo para formação da retina. Ele agora tem 12 anos é cego e autista. Antes de conhecer Silvia, Nickollas teve a adoção recusada por 12 famílias. A paixão pelo Palmeiras selou a união entre mãe e filho. 
Na entrega do troféu dos melhores da FIFA, entidade que comanda o futebol mundial, em Milão, na Itália, a dupla comoveu a seleta plateia. Afinal, não há nada de novo em ver o argentino Lionel Messi ser escolhido o melhor jogador do mundo pela sexta vez. A novidade soprou no discurso da jogadora americana Megan Rapinoe, de 34 anos, que destoa do padrão dos jogadores e das jogadoras por assumir posições políticas e ideológicas públicas. Depois que ganhou a Copa do Mundo de Futebol Feminino, a melhor jogadora do mundo de 2019 se recusou a encontrar o presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Agora conclamou os atletas e as atletas do mundo inteiro a se posicionarem sobre discriminação sexual, racismo e igualdade de condições de trabalho. 
No seu discurso, Silvia Grecco demonstrou que aprendeu a ser uma boa narradora. Falou poucos minutos, mas conseguiu deixar uma grande mensagem para o mundo. Descreveu para o filho a importância daquela cerimônia. Fez a menção ao torcedor uruguaio Justo Sanchez que também concorria ao mesmo prêmio. Justo era simpatizante do Cerro, mas passou a torcer para a equipe rival em homenagem ao filho morto em um acidente. Nico era fã do time uruguaio Rampla e faleceu na volta de um jogo. “Nickollas, aqui na frente tem uma plateia com muitas pessoas, celebridades, jogadores e ídolos brasileiros. Estamos representando nosso time, o Palmeiras e os torcedores do Brasil. Representamos todos os torcedores do mundo, todos os que torcem pela pessoa com deficiência”, afirmou Silvia. Apesar da deficiência visual e do autismo, Nickollas concilia o estudo no sexto ano de um colégio inclusivo em São Paulo com curso de teatro, além de aulas de natação e de atletismo. A mãe do jovem torcedor do Palmeiras acredita que a pessoa com deficiência precisa ser “amada, respeitada e incluída”. 
Em boa hora a história da mãe e do filho palmeirense ganhou projeção mundial. No meio de tanta informação, o mundo parece meio desorientado. Diante da irracionalidade dos governantes, as vozes de pessoas comuns, capazes de produzir grandes histórias de solidariedade, se fazem ouvir e repercutem na mídia. Elas têm o poder de dar ao mundo um toque de humanidade, de resgatar a sensibilidade e a emoção perdidas no meio de tantas histórias cruéis. Esse efeito possui um grande potencial transformador.  Depois de ter sua imagem bastante chamuscada pelos incêndios na Floresta Amazônica, o Brasil reapareceu no cenário internacional de uma maneira positiva, pois não há nada tão forte e sólido como o amor de uma mãe por um filho. Sem contar que agora o Palmeiras tem dois torcedores, uma mãe e um filho mundialmente famosos. Quem disse que o Palmeiras não tem mundial? 

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