
O trânsito selvagem
Dois episódios similares, ocorridos nos últimos dias, chocaram a opinião pública e provocaram uma profunda reflexão sobre a violência no trânsito, a irresponsabilidade dos motoristas e as leis vigentes no país. Autoridades e pessoas comuns se perguntam qual seria a solução para impedir que essas tragédias continuem a se repetir, mesmo que nos últimos anos tenha ocorrido um endurecimento das leis. Ao mesmo tempo em que parecem distantes, vitimando pessoas desconhecidas, essas ocorrências estão muito próximas, pois ninguém sabe quem será a próxima vítima. Embora tenham sido registrados em cidades geograficamente distantes, esses acidentes possuem algo em comum. De forma abrupta tiram a vida de pessoas e destroem famílias para sempre. Esse risco do imponderável, que não tem hora e data para acontecer, aproxima de maneira macabra os atos de violência cometidos de sul a norte do Brasil, instalando um medo justificado, pois ninguém está livre de engrossar a próxima estatística.
A primeira tragédia aconteceu no domingo à noite (26/11) quando um estudante de engenharia embriagado, identificado como João Vitor Ribeiro de 25 anos, destruiu uma família ao cruzar um sinal fechado de uma avenida do Recife. De acordo com a Polícia Civil, o motorista fez um teste de alcoolemia, que acusou a ingestão de álcool três vezes acima do permitido. Havia cinco pessoas no carro atingido pelo estudante que dirigia, segundo a perícia policial, a 100 km/h. Três pessoas morreram entre elas a babá Roseane Brito de Souza, que estava grávida de três meses, o que aumenta o número de vítimas para quatro. Também morreram a mãe de 39 anos, Maria Emília Motta Silveira, e o filho Miguel de 3 anos e 11 meses. O pai de 46 anos, o advogado Miguel Motta Silveira, e a filha Marcela de cinco anos sobreviveram à colisão, mas estão em estado grave.
O estudante que devastou essa família teve a prisão preventiva decretada, mas em poucos dias será solto e responderá ao processo em liberdade. Se tiver recursos e contratar um bom advogado, poderá arrastar esse processo durante anos. Neste episódio, a questão jurídica e o próprio sentido de justiça perderam a razão de ser. Mesmo que o acusado pegue uma prisão perpétua, o dano nunca mais será reparado. Uma foto que circulou na internet reproduzia a imagem de uma família perfeita corroborada pelos depoimentos de parentes e de amigos. Os quatro integrantes da família arrasada no acidente apareciam vestidos de super-heróis. A felicidade estampada no semblante dos Motta Silveira foi perdida para sempre por conta da irresponsabilidade e da imprudência de quem não tem noção de limites para viver em sociedade.
A segunda tragédia similar a do Recife aconteceu em Ribeirão Preto na madrugada da segunda-feira, dia 27. Um motorista trafegando pela Avenida Meira Júnior passou no sinal fechado e atingiu em cheio um motoqueiro. Danilo Braga Eroico, de 33 anos, operador de vídeo e jogador do Botafogo Challengers morreu na hora. A gravação feita pela câmera de uma loja ao lado mostrou que o motorista não parou para prestar socorro. O delegado responsável pelo inquérito pediu a prisão preventiva do condutor por homicídio doloso (quando a pessoa assume o risco de matar) e por omissão de socorro.
Ninguém está a livre de se envolver em um acidente, a própria palavra traz esse sentido de algo imprevisto e inesperado, que nos casos de trânsito, frequentemente, pode deixar pessoas inválidas ou mortas. Para evitar que essas tragédias intencionais ou acidentais se repitam, cabe um alerta para todas as pessoas que diariamente assumem a direção de um veículo. Embora esse seja um gesto que se repete de forma quase mecânica muitas vezes na vida é preciso lembrar que quem dirige torna-se responsável pela própria vida e pela segurança de milhares que estão em volta. Pais, familiares, amigos precisam compartilhar essa responsabilidade quando percebem que pessoas próximas estão dirigindo de forma apressada, agressiva e perigosa. As tragédias de Recife e de Ribeirão Preto demonstram que as leis são insuficientes para conter as insanidades que as pessoas cometem diariamente nas ruas e nas estradas do país. O senso de responsabilidade, que todo o ser humano deveria ter, precisa prevalecer.