
O tufão da Sevandija
Foi um fenômeno surpreendente, arrasador e com alto poder de destruição. O inesperado tufão, que atingiu em cheio o coronelismo e o patriarcado da política de Ribeirão Preto, revelou o maior escândalo de corrupção da história da cidade. À imagem e semelhança do fenômeno devastador que ocorre frequentemente nos oceanos do oriente, a força das denúncias demoliram velhas estruturas carcomidas que há décadas dominavam a política local. Sem precedentes, essa tempestade fez muitas vítimas no processo eleitoral. Antes da eleição, havia muita expectativa e dúvidas sobre como o eleitor reagiria às denúncias. Qual o efeito que as acusações da operação Sevandija provocariam nas candidaturas? Os céticos diziam que tudo continuaria como antes, mas, na era digital, as denúncias divulgadas pela imprensa foram “viralizadas” de forma exponencial pelas redes sociais, com a intensa reprodução dos áudios e dos vídeos comprometedores.
Abertas as urnas, a resposta do eleitorado foi implacável com quase todos os envolvidos. Políticos que há várias legislaturas tinham reeleições garantidas assistiram resignados à evaporação dos votos. Dos nove vereadores que foram afastados pela Justiça Criminal, um não concorreu (Saulo Rodrigues) e sete não se elegeram com desidratação média de 90% dos votos. O único dos nove vereadores afastados pela Justiça Criminal que conseguiu se reeleger foi Capela Novas (PPS), que daqui para frente terá muitas dificuldades para desempenhar o mandato. Além do afastamento, as urnas ainda nem tinham esfriado e novas acusações estarrecedoras surgiram contra o vereador. Na condição de único sobrevivente do tufão Sevandija, Capela terá de enfrentar pedidos de cassação de mandato que devem ser encaminhados pelo Ministério Público Eleitoral. Isso sem falar da própria Câmara de Vereadores que pode abrir um processo por falta de decoro parlamentar.
Assim, neste começo de outubro em que o segundo turno da eleição para prefeito se avizinha, os dois principais poderes da cidade, o Executivo e o Legislativo, estão com as respectivas imagens literalmente destruídas pelo tufão da Sevandija. Hoje, os ribeirãopretanos convivem com a indigesta sensação de que residem em uma terra dominada pela corrupção, exposta ao vexame nacional. As irregularidades apontadas pela Sevandija são próprias de pequenas localidades onde a criminalidade subjugou a justiça, a imprensa e a polícia. As gravações demonstram, de forma clara, que o grupo que caiu na investigação tinha absoluta certeza da impunidade, usava e abusava do telefone para a prática do tráfico de influências e de negociações escabrosas. O grande mérito do Ministério Público (MP) e da Polícia Federal (PF) foi usar o poder da investigação criminal (grampear telefones, apreender documentos e confiscar e-mails) para trazer à tona a podridão política que era conhecida de forma restrita apenas nos bastidores. As prioridades, as contratações, as obras, os reparos não obedeciam a critérios técnicos, mas a interesses políticos associados em conluio.
Entretanto, o escândalo não pode ser entendido como um fim em si mesmo. O sistema, sob a fiscalização do eleitor e dos poderes constituídos, precisa criar mecanismos para banir a prática do cafezinho, que metaforicamente representa o gosto amargo da corrupção. As 5.507 prefeituras e câmaras do país possuem níveis de corrupção e de moralidade diferentes. Para evitar que esse episódio se repita ou que as práticas nocivas se perpetuem, um novo padrão político precisa se impor para que a gestão pública não se transforme num jogo de toma lá dá cá e de tráfico de influência.
O afastamento dos nove vereadores e o aumento do número de vagas abriu caminho para uma “renovação” da Câmara que agora tem 18 “caras novas” e nove vereadores reeleitos. Assim como há méritos entre os vereadores que foram reconduzidos pelo voto, nem toda a novidade, necessariamente, resulta em algo positivo. A síntese de um bom parlamento pode ser definida como a simbiose resultante entre a ação dos membros, as regras que regem as condutas e a interação fiscalizatória que precisa se estabelecer entre representantes e representados para consolidar a democracia representativa. Em alto e bom som, as urnas demonstraram, de forma inequívoca, que a transgressão, a imoralidade e o tráfico de influências não são aceitos pelo eleitorado. Contudo, se não houver vigilância e fiscalização, mudam os nomes, a oxigenação acaba e as práticas nefastas voltam a asfixiar o poder público.