O vetor da mudança

O vetor da mudança

José Murilo de Carvalho defende a qualificação do votoJosé Murilo de Carvalho defende a qualificação do votoEm cada eleição, existe um desafio. A uma semana do pleito, o eleitor precisa escolher os melhores candidatos a deputado estadual, federal, senador, governador e presidente. Mesmo que haja um ceticismo muito grande em relação ao Legislativo, não deveria haver dúvida sobre o poder de influência que possuem no cotidiano das pessoas o governador de São Paulo ou o presidente da República. Lá no começo dos anos 70, o Rei Pelé, que coleciona uma longa lista de declarações infelizes, foi massacrado ao declarar que o povo brasileiro não sabe votar. Na semana passada, mais de 40 anos depois, a revista Época publicou matéria revelando que sete em cada oito eleitores ainda não escolheram os deputados. A Época escreveu na capa que se a escolha não for madura, depois não adianta reclamar da palhaçada. Segundo as pesquisas, Tiririca já está eleito. Afinal de contas, Pelé tinha razão ou desde que o voto direto foi reinstituído no país, a democracia brasileira melhorou bastante?

As primeiras eleições ensejavam vários tipos de manobras com candidatos distribuindo cestas básicas, brindes e promovendo shows com artistas famosos. A legislação eleitoral foi aperfeiçoada e hoje esses artifícios não podem ser mais usados para comprar o voto do eleitor. Outros mecanismos para driblar a lei foram criados e uma parcela do eleitorado ainda vende o voto, mas as denúncias da imprensa e, principalmente, a aprovação da lei da ficha limpa desnudaram os candidatos que tentam fraudar o processo eleitoral. O ex-senador, Jader Barbalho, o pessoal envolvido no mensalão e o ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda são alguns exemplos dos políticos que caíram na malha fina da Justiça Eleitoral. Paulo Maluf ainda sobrevive. Ao contrário do que ocorre com as licitações, por exemplo, o processo eleitoral brasileiro é considerado um dos mais seguros do mundo. Paradoxalmente, o país tem mais gente honesta trabalhando de graça ou com baixa remuneração no terceiro setor do que na política. Tivemos várias reformas que possibilitaram o voto em dois turnos, já apeamos um presidente do poder e garantimos a liberdade de expressão. O país que não permitia o voto das mulheres, hoje faculta esse direito até mesmo aos maiores de 16 anos. 

Uma tese defendida pelo historiador e cientista político, José Murilo de Carvalho, advoga a qualificação do voto. De um lado, o eleitor desinteressado, aquele que se abstém, vota nulo, em branco ou no primeiro palhaço que aparece, precisa desvendar o mundo que o cerca. Na outra ponta está o eleitor que vota em função das necessidades mais imediatas. Para o cientista político, o voto consciente ainda precisa sair da área de influência dos benefícios e das bolsas do governo. “Essa percepção vai mudar quando a educação melhorar e a população tiver um nível maior de informação”, observa José Murilo de Carvalho. As eleições se transformaram numa guerra de  manipulações que objetivam descontruir os adversários. Portanto, desconfie dos políticos covardes que terceirizam o jogo sujo, distorcendo números e informações. Apostando na desinformação do eleitor, colocam locutores nos programas eleitorais dizendo que o candidato concorrente vai acabar com todos os programas sociais. Para Murilo de Carvalho, isso ocorre porque o grau de cidadania brasileira, principalmente das classes emergentes, ainda está muito vinculado à capacidade de compra que o eleitor/consumidor possui.

A despolitização, o distanciamento do eleitor da eleição, não faz esse processo avançar. Embora Ribeirão Preto tenha 12 candidatos a deputado federal e 15 a estadual, a eleição está se tornando mais virtual do que real com poucas manifestações nas ruas. Hoje, a propaganda mais visível nas avenidas de Ribeirão Preto é a do cantor Julio Iglesias que fará um show na cidade. Não se pode permitir a pichação de prédios públicos, nem tão pouco restringir demais a propaganda dos candidatos, impedindo a colocação de cavaletes em locais públicos. A destruição das placas tira a visibilidade da campanha e impede que o eleitor conheça melhor os candidatos. Se não fossem os pequenos grupos de cabos eleitorais em algumas esquinas, nem parece que haverá eleição em Ribeirão Preto. O esfriamento que está em curso só aumenta o desinteresse e a probabilidade de votar errado.

Quando se analisa o processo político não dá para ser muito pessimista e nem ingênuo demais. A história recente mostra que a democracia, à brasileira, funciona melhor quando se formam alguns consensos. Depois das conquistas da liberdade de expressão, da estabilidade econômica, dos programas de distribuição de renda, as manifestações de junho colocaram como pautas prioritárias a reforma política e a melhoria da qualidade dos serviços públicos. Ganha a eleição quem convencer o eleitorado de que pode ser o vetor dessas mudanças, mas no caso em questão, além do candidato, o “vetor” também pode ser o voto e você, meu caro eleitor (a).

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