
O vintevinte
Talvez pela influência dos ancestrais africanos e indígenas somos um povo místico que se apega às crenças, às divindades, à numerologia e aos significados que não estão literalmente escritos. Assim, o novo ano que ora se inicia já foi devidamente reconfigurado. Não estamos começando dois mil e vinte, mas avançando pelos 365 dias do vintevinte. Essa dobradinha chama a atenção e puxa outras ilações. Para os céticos, essa numerologia coincidente não tem significado algum. Ao contrário do que muitos imaginam, o vintevinte não será o começo de uma nova década, mas o encerramento do decênio iniciado em 2011. Olhando para o calendário só dar para concluir com certeza de que este será um ano com muitos feriados, às segundas, às sextas, além dos emendados. Isso será bom para o turismo, mas ruim para o comércio e a indústria. Nesse país partidarizado até os feriados dividem opiniões.
Mas como esse vintevinte que está começando terminará? É possível fazer alguma projeção segura? As previsões econômicas de crescimento que inundam a mídia são confiáveis? Sim e não. Tudo parece incerto e muito volátil. Quase todas as análises econômicas convergem para um ano de recuperação, previsão essa que se ampara numa inflação controlada, em um juro que está sendo baixado a fórceps e em algumas âncoras da economia que dão sinais de recuperação. Num país que se diz liberal com economia de mercado, os juros tiveram que ser tabelados para baixar de verdade. Fique atento para reduzir até junho o valor do seu cheque especial, pois pela nova regra você poderá pagar um juro por um dinheiro que está à sua disposição, mas que você não usa. O Brasil continua sendo um país com economia ímpar.
Salvo alguma intempérie, os mais otimistas chegam a projetar um crescimento de 3% para o vinte/vinte. Neste cenário alentador, depois de uma crise que dura longos cinco anos, um indicador que não recua é o desemprego. Pelas estatísticas oficiais, que não captam todos os segmentos da população que poderiam trabalhar como a força jovem, os idosos com capacidade produtiva ou os que desistiram de procurar emprego, o Brasil terminou 2019 com 12 milhões de desempregados. Alguns especialistas acreditam que uma boa parte desse contingente não voltará mais a ocupar as antigas funções. A própria crise econômica força grandes e pequenas empresas a entrarem numa corrida frenética pela redução de custos, principalmente com mão de obra e os consequentes encargos sociais.
Empregos como o de caixa de supermercado, operador de telemarketing e os atendentes vão desaparecer com o avanço da inteligência artificial. Doravante conversaremos com as máquinas. No entanto, na área de tecnologia de informação falta mão de obra qualificada para profissões que pagam salários de R$ 5 mil a R$ 10 mil por mês. As empresas de tecnologia se ressentem de profissionais que sejam capazes de analisar a montanha de dados e aproximar o vendedor do comprador. Não serão somente as competências técnicas que serão valorizadas. Mais do que nunca, as organizações precisarão de humanos inteligentes, com pensamento crítico, inteligência emocional, liderança, originalidade, visão de longo prazo, tudo isso, claro, agregado à familiaridade com a tecnologia.
Entre os experts em economia e em tecnologia, há uma previsão pessimista. Na economia global, a riqueza não se dilui, mas se concentra cada vez mais nas mãos de gigantes. Na área da tecnologia, por exemplo, as maiores do mundo (Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft) podem ser contadas com os dedos de uma mão. No entretenimento, idem. Essa é uma das razões pelas quais aparece um futuro sombrio dando conta de que o filho não conquistará um padrão de vida superior ao pai, mesmo que esteja vivendo em um mundo com muito mais acesso à informação. A curva da riqueza pessoal é descendente e isso tem a ver com a qualidade dos empregos e com o avanço da tecnologia. Vai ficar mais difícil ganhar dinheiro. Uma pesquisa recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que o número de trabalhadores domésticos no Brasil aumentou. Não há nenhum demérito na profissão, o problema é a informalidade e os baixos salários sem benefícios.
Ao que tudo indica, a fantástica aceleração das ferramentas tecnológicas está muito longe de terminar. As maiores empresas do mundo continuarão se digladiando, criando uma infinidade de artifícios para monopolizar a sua atenção, mesmo que isso seja à custa da convivência com a sua família e dos encontros presenciais com seus amigos. Isso está criando um novo tipo de dependência digital, batizada de nomofobia. Nesse sentido, a filosofia detox vai ao encontro do que os mais antigos diziam: o segredo para viver bem é cuidar do corpo e da mente. Neste ano que está começando dá para acrescentar um pitaco digital: se possível, bem longe do smartphone. Feliz vintevinte!!