O volver da história

O volver da história

Foram somente os três primeiros meses sob a nova/velha administração, mas para cerca de 87% dos brasileiros, que segundo o Datafolha desaprovam a gestão, o governo da presidente Dilma Rousseff já está longo demais. Vendo, diariamente, o escandaloso aparelhamento do estado, tem muita gente amaldiçoando a reeleição instituída na política brasileira em 1997. Recordar é viver. Na época, o ex-ministro das Comunicações, Sérgio Motta (PSDB), principal articulador do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) concebeu e pôs em prática um plano para que os tucanos consolidassem um longo projeto de poder, previsto para durar pelo menos 20 anos. Apelidado de “trator”, o “Serjão” literalmente passou por cima dos opositores. Com denúncias de votos comprados por R$ 200 mil, Sérgio Motta também fez a tradicional distribuição de favores no Congresso Nacional e aprovou a reeleição pelo placar de 338 a 123. Na eleição presidencial de 1998, Fernando Henrique ganhou de Lula e de Ciro Gomes, com tranquilidade, ainda no primeiro turno.

Em 2002, o sonho tucano de perenizar-se no poder foi posto em xeque. FHC tentou passar o bastão da continuidade para José Serra, mas a estratégia sucessória do tucanato naufragou. Depois de um primeiro turno bem disputado, Lula ganhou a eleição em segundo turno e, a partir daí, foi o PT quem passou a tirar partido do advento da reeleição para consolidar uma hegemonia que perdura por 16 anos. Há quem jure de pés e mãos juntas que Lula sai candidato na próxima eleição, de qualquer jeito, para alcançar a meta dos 20 anos. A alternância no poder, com a troca de presidentes, faz bem para a saúde da democracia, principalmente nos países em desenvolvimento, onde as instituições já melhoraram bastante, mas ainda não são suficientemente fortes para se sobrepor ao poder absolutista do presidencialismo ou às práticas assistencialistas e corporativas do parlamento.

No hiato de um mês, entre uma manifestação e outra, ficou um vazio aproveitado pelo oportunismo do PMDB. No meio das discussões sobre impeachment, mudanças na economia e novas denúncias de corrupção, uma velha proposta foi desengavetada de súbito, levando a pauta quente de roldão. Na calada da noite, articulados pelas lideranças do PMDB, sem debate prévio algum, de repente, a terceirização, que nunca fez parte da pauta das manifestações, tornou-se a mais premente das questões.

Com um placar muito próximo àquele que instituiu a reeleição, a terceirização foi aprovada em primeira votação na Câmara dos Deputados (324 a 137). O Brasil tem uma das mais altas cargas tributárias do mundo, um estado caro e ineficiente, mas o ônus da crise está para ser debitado na conta dos assalariados, embora a remuneração do trabalhador brasileiro seja uma das mais baixas do mundo. A despeito do discurso modernizante, se o projeto for aprovado, o empregado terá mais um sócio com quem dividirá os seus vencimentos. Com a terceirização da atividade fim, o principal ramo de atuação de empresa pública ou privada, entre o empregador e o empregado, haverá uma firma que fará o agenciamento da mão de obra. Para ser um negócio interessante, o custo da terceirizada terá que ser menor do que o vínculo direto, sem esquecer que do meio até o fim ainda tem o lucro de quem fará a intermediação. Para os assalariados deste país, a precarização das relações de trabalho vai custar algo em torno de 30% a 40% da remuneração. Para as empresas, a terceirização abre uma porta para reduzir custos com alto de risco de perda de qualidade. O padrão salarial brasileiro, que já era baixo, vai cair mais um pouco, numa espiral perversa. Com menos renda, o poder de consumo diminui, provocando desemprego e reduzindo o faturamento das empresas.

A Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) foi instituída no Brasil, em 1943, pelo ditador Getúlio Vargas. De lá para cá, todas as gerações de políticos que o sucederam foram incapazes de fazer algo melhor para o trabalhador brasileiro. Mudanças de tamanho impacto não se fazem do dia para a noite, deveriam ser gradativas. Sucessivos governos oneraram a folha de pagamentos com a cobrança de contribuições e outros penduricalhos. A propósito: a proposta 4.330/2004 que aviltará a mão de obra brasileira foi aprovada com o esmagador apoio de todos os partidos que tem o trabalhismo na sigla. Em São Borja (RS), Getúlio, Jango e Brizola devem estar se revirando nos respectivos túmulos. Os três foram enterrados no mesmo cemitério. Nesse debate apressado para manipular a opinião pública, por incrível que pareça, sabe quem está defendendo o interesse dos trabalhadores? A presidente Dilma Rousseff e o PT, hostilizados nas manifestações de rua pelo envolvimento nos maiores escândalos de corrupção do país.  Com fins que nem sempre justificam os meios, a história roda com o avanço do tempo, mas, às vezes, traiçoeira e contraditória, dá meia volta, volver. 

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