
O voto conservador
Muito se fala em mudanças no Brasil, principalmente durante os quatro anos que antecedem as eleições. Quando chega a hora da eleição, as conversas e até o sentimento de revolta se intensificam, mas as mudanças são lentas, às vezes, quase imperceptíveis. Abertas as urnas se constata que mais da metade da Câmara dos Deputados e do Senado se reelege. O mesmo fenômeno ocorre nas assembleias. Os nomes dos governadores eleitos são praticamente os mesmos há décadas. Os dois maiores estados do país, São Paulo e Rio de Janeiro, são apenas dois bons exemplos que comprovam uma tendência conservadora do eleitorado que especula muito sobre mudança, mas na hora “H” vota, majoritariamente, em medalhões conhecidos. As exceções só confirmam a regra. Geraldo Alckmin, ora candidato à presidência, já governou São Paulo quatro vezes e, no Rio de Janeiro, Sérgio Cabral administrou por dois mandatos. Se não fosse desmascarado em um dos maiores escândalos de corrupção do país, esta hora Cabral teria uma eleição garantida para senador. No plano presidencial, PT e PSDB se revezam no poder há mais de 20 anos.
Os problemas são velhos conhecidos do eleitorado e, praticamente, não existe uma área básica do país que hoje não tenha problemas sérios: saúde, educação, transporte, moradia até as menos citadas como esporte, cultura e ciência e tecnologia estão em deplorável situação de penúria. Quando questionados sobre esses problemas, nas entrevistas e nos programas eleitorais, os políticos tradicionais, que dominam a oratória, não se apertam. Prometem mundos e fundos, anunciam soluções inverossímeis e com a maior naturalidade garantem que são portadores da solução para todos os males. Quem por ventura se arriscar a ser sincero e honesto durante uma campanha eleitoral e disser que não tem a saída para todas as dificuldades que o país enfrenta e que não vai resolver todos os problemas em um único mandato certamente perderá a eleição. Por incrível que pareça, o candidato que mente muito para conquistar mais votos, na verdade, ganha a disputa dizendo o que o eleitor quer ouvir. Quem, humildemente, declarar que não sabe de tudo, será rotulado de incompetente.
O tempo passa, vai eleição, volta eleição e os problemas continuam. O descrédito do Congresso atingiu níveis alarmantes cujos maiores reflexos visíveis são as abstenções, os votos nulos e os brancos. O desgaste atual das instituições representativas da democracia, incluindo-se aí os governos estaduais, as prefeituras, as câmaras e as assembleias, atingiu o ápice desde a redemocratização em 1988. A minoria ruidosa que se engaja nas campanhas passa a falsa ideia de uma disputa polarizada, segmentada, que mobiliza a sociedade inteira. A menos de dois meses da eleição presidencial, a grande maioria silenciosa está desiludida e temerosa. A conversa com o eleitor mais cauteloso revela a perplexidade diante da gravidade da crise política e econômica contrastando com a escassez de candidatos confiáveis e com representatividade. Generalizando um pouco, o universo dos pretendentes se divide entre os aventureiros, os oportunistas de ocasião e as velhas raposas travestidas com novas roupagens. O arco das alianças violenta a ética. O candidato que cada eleitor considera ideal, com perfil de estadista, terá que ser garimpado dentro desse enigmático universo de 13 pretendentes. Será que essa joia rara existe mesmo?
Desta vez, financiados pelo dinheiro público, os partidos tradicionais se apropriaram das verbas, direcionaram os recursos para os “candidatos com maiores chances”, sepultando a possiblidade de renovação significativa. A insatisfação com a situação atual provoca reações extremas que não alteram o panorama. De um lado, aparece o viés autoritário que defende o fechamento puro e simples do Congresso. De outro, os que se alienam completamente do processo, proclamando a indiferença para qualquer resultado. As máquinas partidárias que controlam o poder do Estado, a despeito da ideologia do presidente de plantão, agem justamente no vazio que surge entre os dois extremos. Manobrando estruturas eleitorais baseadas no clientelismo se mobilizam o suficiente para conquistar votos a partir da visibilidade que o poder econômico pode comprar. Basta uma pequena fração do eleitorado, um nicho de mercado, para eleger um deputado. A boa reflexão não pode virar uma indecisão prolongada. Mudança não é sinônimo de aventura. A renovação faz bem para a política e no final das contas é o eleitor quem decide, embora ele ainda não tenha descoberto a força que tem o voto para mudar, pelo menos um pouco, o panorama atual.