Obra de artista

Obra de artista

A definição de arte rende compêndios e tratados sem que se consiga colocar conceitos definitivos e fechados sobre o assunto. Pela sua amplitude e complexidade, essa manifestação do ser humano está sempre em pauta, pois tem o dom de retratar a vida em dimensões próximas do real ou mesmo abrir as portas da fantasia. A arte ainda alcança outras variantes do comportamento humano. Pode contextualizar o escatológico, a sexualidade, a provocação religiosa, a contestação política, o grotesco, o belo e até mesmo o indecifrável. Alimentada pelo processo de cria e recria, seu campo de exploração é infinito. Por isso, quando vêm à baila as manifestações artísticas o melhor a fazer é manter a mente aberta, apreciando o que mais se afina com a sua percepção de mundo e relevando aquilo que para você não faz muito sentido.

No Brasil dividido e polarizado dos últimos anos, a discussão sobre a arte foi sugada para o centro do debate político junto com a sustentabilidade. Esse tema está ardendo em chamas. Nem mesmo as controvérsias econômicas entre liberais e conservadores ganham tanto destaque nas redes sociais e na mídia tradicional. Uma boa premissa é separar o legado artístico da opção política. Nessa fase em que a sociedade rachou de vez, um dos primeiros artistas a ser retaliado foi Chico Buarque de Holanda, autor de uma das mais representativas obras da Música Popular Brasileira. Junto com uma geração de artistas, Chico Buarque fez oposição ao regime militar, depois declarou apoio ao ex-presidente Lula e agora faz oposição ao governo atual.

Situação semelhante enfrenta Regina Duarte que por décadas foi estrela das novelas brasileiras. A atriz já frequentou as hostes tucanas com apoios a José Serra e a Aécio Neves. Em 2002, declarou que temia por uma vitória de Lula na eleição presidencial e agora avalia uma possível entrada no governo de Jair Bolsonaro na Secretaria Nacional de Cultura. Se Chico foi um expoente ímpar da música, Regina Duarte protagonizou telenovelas memoráveis. A opção política, equivocada ou não, não apaga o legado artístico. Uma coisa não excluiu a outra. É possível ser fã do artista e discordar da sua opção política e vice-versa. As músicas emblemáticas de Chico Buarque e as atuações antológicas de Regina Duarte permanecem a despeito de no momento estarem no governo ou na oposição.

Outro artista que pode vir a exercer o seu legítimo direito de externar sua posição política é Luciano Huck que desde a eleição passada ensaia um ingresso na política, nem pela direita e nem pela esquerda, mas pelo centro. Se confirmada, a entrada do apresentador no mundo da política será bem-vinda. O Brasil precisa mesmo de pessoas que saiam da sua zona de conforto e se submetam ao crivo das urnas. Na mesma toada, especula-se que o ribeirãopretano José Luis Datena será candidato a prefeito de São Paulo. Será que comunicadores famosos podem influenciar a política brasileira?

A mesma abertura para a compreensão da arte pode se estender ao cinema, aos vídeos e aos documentários. No começo deste ano, o especial de Natal do Grupo Porta dos Fundos se tornou o principal assunto do país. A produção que fazia uma provocação à religião chegou a ser retirada do ar pela Justiça. O programa está disponibilizado na plataforma Netflix. Portanto, não pode ser encontrado por acaso. Quem quiser ver, precisa ser assinante da produtora de conteúdo. Caso contrário passa batido entre os milhões de programas disponíveis em sites de conteúdo na internet. Como não poderia deixar de ser em uma democracia, os comentários sobre o valor artístico da obra se dividem. Engraçado, espirituoso e divertido para uns, profano, de mau gosto e uma provocação grotesca para outros. Se não fosse pela tentativa de censura, proibida pela constituição federal, o especial não teria alcançado um centésimo da repercussão que teve. Por incrível que pareça, tem gente do meio artístico querendo censurar a produção de um especial sobre o crime cometido pelo ex-goleiro Bruno que na época jogava no Flamengo.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado à próxima produção artística que tem potencial para maximizar o ódio político que ferve no país. Com a chancela da academia de Hollywood, “Democracia em Vertigem” concorre ao Oscar de melhor documentário. Aqui é preciso fazer um pequeno spoiler. Se você quiser conhecer em detalhes a visão do PT sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff assista ao documentário de Petra Costa, uma simpatizante declarada do partido. Se você pensa diferente, não tem interesse em conhecer essa visão ou não aceita a tese de que houve um golpe no país, pegue outro filme para ver. Hashtag fica aqui uma dica. Assista a “Dois Papas” do brasileiro Fernando Meirelles que não foi indicado ao Oscar de melhor filme, mas cai como uma luva no momento atual. Inspirado em fatos reais, o filme mostra a boa relação entre dois papas com pensamentos opostos, Bento XVI e o atual, Papa Francisco. Com atitudes e palavras, o filme mostra como deve ser a convivência respeitosa com quem tem um pensamento radicalmente diferente do seu. 

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