
Obra do bem
Se alguém tentasse entender o Brasil só pelas matérias que os jornais publicam todos os dias, teria uma visão distorcida da índole do povo brasileiro. Veria só o lado mais sombrio da desagregação humana, das explosões de violência e das injustiças que segregam milhões de pessoas. Ao final dessas leituras diárias, enxergaria o país pelo seu viés mais nefasto como se a terra que habitamos fosse um árido deserto de boas intenções. Esse fictício observador sairia dizendo pelos círculos de sua convivência que a nação brasileira precisa de um recall urgente para ver se consegue resgatar a autoestima, a decência, o respeito e a consideração por quem está ao seu lado. Essa visão negativa, carregada de reflexão e perplexidade, por incrível que pareça, seria um pouco injusta, pois para nossa sorte, em todos os cantos do país, ainda há gente anônima e desprendida, capaz de acordar todos os dias com a firme disposição de estender a mão para ajudar quem precisa sem esperar nada em troca.
Há alguns meses, por uma dessas contingências da vida, conheci uma casa que oferece assistência a filhos de mães carentes. Apesar de localizada bem perto da sede da revista, não tinha conhecimento da sua existência, exceto por uma antiga menção em um projeto especial de solidariedade feito pela Revide há 10 anos.
Junto com um grupo de colegas de trabalho, conhecemos a Casa A Família e para nossa surpresa encontramos um lar muito bem organizado, de limpeza impecável, administrado por pessoas generosas. Mesmo na sua simplicidade, a Casa A Família oferece aquilo que, na maioria das vezes, as crianças que ali chegam não encontram em suas próprias casas: a possibilidade real de uma vida digna com a garantia do básico para viver bem. Para quem está nessa situação, além do teto, do alimento e dos cuidados com a saúde, a oportunidade de recuperação, o carinho e o apoio para seguir em frente também são vitais para reconstruir o caminho, mesmo que as experiências dos primeiros anos de vida sejam difíceis de esquecer.
O nome da Casa A Família não poderia ser mais apropriado. Basta uma visita de poucas horas, para perceber a presença de mãos protetoras que provém o lar nas horas de aperto e de dificuldade. Os moradores mais antigos e mais atentos de Ribeirão Preto por certo já devem ter ouvido falar. A Casa A Família é uma instituição fundada em 17 de novembro de 1975, nasceu do ideal de três portuguesas que encontraram no Brasil, mais precisamente em Ribeirão Preto, as condições propícias para o desenvolvimento de um trabalho voluntário e solidário de assistência a crianças pobres.
Em pouco tempo, as irmãs Maria Margarida Marques de Mesquita, Maria Odete Quartim e Maria da Conceição Ramalho ficaram conhecidas como as “três marias”. Juntas trabalharam por 20 anos e nesse período também tiveram a companhia de Maria Lopez Sancho. Portanto, o sonho de amparar crianças desassistidas permanece vivo há 35 anos. Anteriormente, funcionava como uma casa de família, onde as crianças eram deixadas pelas mães para receberem amor, atenção e abrigo. Algumas chegaram à Casa entre a vida e a morte. São inúmeros os casos de mães biológicas que não tinham condições financeiras e emocionais para sustentarem os filhos, mas não queriam abandoná-los ou entregá-los à adoção. No decorrer da sua história, a Casa A Família cumpriu a sua missão de manter vivo esse elo, por mais tênue que ele fosse em alguns momentos.
O refeitório, as salas de recreação, a cozinha, os corredores e os quartos bem arrumados guardam histórias de amor e de re-encontro. Há também uma estatística de causar inveja em qualquer instituição oficial do país. Recebendo escassos recursos oficiais, a Casa A Família pode apresentar hoje um índice de recuperação de 90% das cerca de 250 crianças que passaram pela instituição, número que comprova a seriedade do trabalho feito com a mais absoluta discrição. A estatística favorável pode ser comprovada pelas próprias crianças que cresceram na casa, tornaram-se adultos responsáveis, conquistaram uma profissão e hoje ajudam a instituição e as suas próprias famílias. Nem uma montanha de dinheiro é capaz de comprar uma conquista dessas.
Mas nem tudo são flores no caminho de uma instituição de caridade. Os dias difíceis vão e voltam, a prateleira dos alimentos enche e fica vazia e o orçamento sempre apertado ensina como fazer os milagres da administração para que nada falte a quem tanto precisa.
Por força da legislação, hoje, a instituição passa por uma re-estruturação para atender às exigências do Estatuto da Criança e do Adolescente e oferecer às mães condições de permanecerem junto dos filhos. No Brasil das promessas que o Estado não consegue cumprir, a grande maioria das leis que assegura conforto e bem-estar para quem carece de proteção não passa de letra morta. Entre as dívidas que a sociedade ainda precisa resgatar está a promessa do artigo 19, do Estatuto da Criança e do Adolescente: toda criança tem direito a ser criada e educada no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e a comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
Para que o amparo do artigo acima não seja uma reles peça pregada pelo legislador, oito novos quartos estão sendo construídos, todos com banheiro, uma área comum de cozinha, refeitório e lavanderia onde serão abrigadas as mães em situação de vulnerabilidade social. Essas dependências servirão de abrigo para que a mãe possa permanecer junto com seu filho, recebendo a assistência social necessária.
Para vencer mais essa audaciosa etapa, a instituição toca a obra contando com o que sempre teve para manter o projeto: a generosidade humana, muitas vezes, praticada por pessoas que fazem as doações no mais absoluto anonimato. A sede foi inteiramente construída em dez anos, totalmente financiada pelas doações e pelo espírito solidário de colaboradores anônimos, desde o terreno doado pela Prefeitura na gestão de Duarte Nogueira, até os móveis e os eletrodomésticos. Essa corrente da solidariedade contou com a colaboração de moradores do bairro, de pessoas amigas e até das Igrejas Católicas de Luxemburgo e da Alemanha.
Durante esse período, no entanto, nem um único dia, a Casa deixou de oferecer abrigo, alimento e instrução às suas crianças. Mesmo funcionando em casas alugadas, o trabalho missionário realizado com a finalidade de não permitir que a mãe perca o direito ao seu filho, encontrou forças e amparo para continuar.
Hoje, com as novas instalações quase concluídas, a Casa Família de Apoio à Família necessita de uma máquina de lavar roupa, um tanquinho, 16 bicamas e três mesas com cadeiras e 11 ventiladores de teto. A instituição está de portas abertas para quem precisa de ajuda e para todos que possam ajudar.
CASA FAMÍLIA
Avenida Leais Paulista, 300
Jardim Irajá - Ribeirão Preto
Tel.: 3623 3331
DOAÇÕES:
Banco HSBS - 399 - agência 0657 - conta corrente 15151-41