Onirismo na ONU

Onirismo na ONU

Lá no começo dos anos 80, uma série de TV fez muito sucesso no Brasil. A inesquecível Ilha da Fantasia, com episódios de 60 minutos de duração, marcou época. O programa criava um modelo de perfeição que sempre existiu na mente humana. Era uma maravilha, porque naquela ilha paradísica, qualquer desejo podia ser realizado pelos dois simpáticos anfitriões, interpretados pelo refinado Ricardo Montalban (senhor Roarke) e o seu simpático parceiro, o anão Hervé Villechaize, que na série fazia o papel do impagável Tattoo.

Nada dava errado nessa pequena fração de mundo hedonista em que o prazer e a satisfação se apresentavam como valores supremos. Os dois personagens se vestiam sempre da mesma forma. Roarke e Tattoo usavam um impecável terno branco contrastando com a gravata preta. Virou um clássico da TV que desafiava as vicissitudes e os infortúnios do mundo real. A partir daí, toda a realidade abstrata, mesmo as mais coriqueiras, passou a ser automaticamente associada ao onírico mundo dos desejos incontidos. A expressão ganhou a consagração popular. A “ilha da fantasia” tornou-se o lugar perfeito para realizar os mais lancinantes desejos.

Nesta semana, em plena crise com o país pegando fogo pela instabilidade política e econômica, a presidente Dilma Rousseff transformou o grande salão de convenção da Organização das Nações, palco de encontro das grandes lideranças mundiais, numa espécie de ilha da fantasia muito própria e particular. Tradicionalmente, cabe ao Brasil abrir o encontro, uma cerimônia que chama a atenção do mundo e equivale à abertura da Copa do Mundo ou da Olimpíada. Independentemente da posição política ou partidária, qualquer cidadão brasileiro que acompanhou o discurso da presidente com serenidade ficou com a nítida impressão de que o país a que Dilma Rousseff se referiu no seu pronunciamento não era o Brasil. A presidente só poderia ter feito um discurso tão irreal se tivesse retomado algum contato com Roarke e Tattoo para recriar a ilha da fantasia.

No Brasil que os brasileiros habitam, o dólar rompeu a barreira dos R$ 4,00, o mercado de trabalho perdeu um milhão de postos este ano, a inflação e os juros não param de subir e o mundo já duvida da capacidade do país de pagar suas contas. Mais duas agências internacionais estão em vias de rebaixar o grau de investimento brasileiro. Os agravantes são uma séria crise política, o impeachment na ordem do dia e reformas que não saem da gaveta. A única proposta formatada que o governo conseguiu apresentar foi bastante indigesta. A famigerada volta da CPMF, rejeitada por empresários, por políticos da própria base e pela maioria da sociedade civil.

Nesse cenário de desalento e pessimismo da atividade econômica, o discurso que Dilma leu no plenário da ONU soa como um contrassenso, uma dislexia econômica que nem o Tattoo seria capaz de prover. Abre aspas para o discurso da presidente. “Estamos num momento de transição para um novo ciclo de expansão mais profundo, mais sólido e duradouro. Além das ações de reequilíbrio fiscal e financeiro, de estímulo às exportações, também adotamos medidas de incentivo ao investimento em infraestrutura”. Numa demonstração de que não percebe a gravidade da situação atual em que os indicadores da economia se deterioram dia a dia, a presidente afirmou que o país não vive “problemas estruturais graves e sim dificuldades pontuais.”

Nessa linha de raciocínio, na avaliação de Dilma, não há nada de errado com o país, os maiores problemas estão na economia do mundo. “A lenta recuperação da economia mundial e o fim do superciclo das commodities incidiram negativamente sobre nosso crescimento. A desvalorização cambial e as pressões recessivas produziram inflação e forte queda da arrecadação, levando a restrições nas contas públicas. O Brasil, no entanto, não tem problemas estruturais graves, nossos problemas são conjunturais e, diante desta situação, estamos reequilibrando o Orçamento e assumimos uma forte redução de nossas despesas, gastos de custeio e de parte do investimento”, enfatizou.

Na visão da presidente, o Brasil é um país que não aceita a corrupção. Que dirá se aceitasse! O petrolão durou mais de 10 anos, época em que a presidente ocupou cargos chaves no conselho da Petrobras e como ministra da Casa Civil. Nesse cenário, o país entrou numa enrascada difícil de resolver. Uma perspectiva clara ainda não se delineou no horizonte político. O Brasil precisa solucionar rapidamente a crise de governabilidade do governo de Dilma Rousseff, sem atropelar as regras democráticas arduamente construídas nas últimas décadas. No último programa eleitoral, o PMDB colocou as garras para fora.

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