Os conselhos do poeta

Os conselhos do poeta

O tcheco Rainer Maria Rilke é um dos poetas mais lidos do mundo, inclusive no Brasil, onde possui uma considerável legião de fãs. Seus textos são o que se pode chamar de clássicos pelo simples fato de que se mantêm atuais, apesar de terem sido escritos há mais de cem anos. Quando estava na faculdade, um colega de república me deu de presente um livro de Rainer Maria Rilke. A vida de estudante era generosa em relação à dádiva do tempo, às amizades e aos compartilhamentos que a literatura propiciava.

Na verdade, são dois livros em um só: “Cartas a Um Jovem Poeta” e “A Canção de Amor e de Morte do Porta-Estandarte Cristóvão Rilke”. Bem, o texto de fecundas interpretações não permite uma dupla abordagem em espaço tão restrito. Cabem muitas inflexões nas palavras do poeta que proseou em alemão e que ficou internacionalmente conhecido pelas cartas que escreveu a um jovem indeciso entre a carreira literária e a militar. Com tradução do renomado Paulo Rónai e o prefácio da escritora Cecília Meireles, logo o leitor se surpreende com o conteúdo denso do livrinho fino de 100 páginas. As mesmas palavras que causaram uma forte impressão na primeira leitura, há décadas, resistem impávidas à passagem do tempo.

As cartas que enviou, no começo do século, passado a um jovem angustiado, um neófito da poesia, começam por algumas explicações sobre a arte de escrever, mas logo enveredam pelas complicadas questões existenciais e se transformam em interessantes lições de vida. Mesmo tão distantes da época atual, as palavras de Rilke fazem eco nos dias de hoje, onde a decepção política, a crise econômica e a desilusão ética induzem as pessoas a procurarem oráculos, seja na religião, nas mídias sociais, nos livros de autoajuda ou mesmo nos consultórios médicos. Rilke dá ao candidato a poeta e aos leitores do livro o que se poderia chamar de um anticonselho, que dificilmente um psicanalista daria. Como se tivesse a chave para desvendar um grande conflito emocional, ele acentua a experiência enriquecedora que pode ser extraída da tristeza, aquela dor pungente que passa pelo âmago do ser humano e que justamente por isso tem o poder de provocar mudanças significativas. “Perigosas e más são apenas as tristezas que levamos por entre os homens para abafar a sua voz. Como as doenças tratadas superficialmente e à toa, elas apenas se escondem e, depois de leve pausa, irrompem muito mais terríveis. Juntam-se no fundo da alma e formam uma vida não vivida, repudiada, perdida, de que se pode até morrer. Se nos fosse possível ver além dos limites do nosso saber e um pouco além da obra de preparação de nossos pressentimentos, talvez suportássemos nossas tristezas com maior confiança que nossas alegrias”, escreveu o poeta, que somente por esse trecho também poderia ser chamado de filósofo.

Além do olhar revelador sobre a tristeza, Rilke aponta, com palavras bem escolhidas, cultivadas pela paciência, onde estão escondidas as respostas que tanto procuramos. “Nada poderia ser mais perturbador do que olhar para fora e aguardar de fora respostas a perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa... Ninguém pode ajudar ou aconselhar ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo... Nas coisas mais profundas e importantes estamos indivisivelmente sós”, escreveu com a simplicidade e a sinceridade que marcaram seu estilo literário.

Pode haver algo mais enigmático que o destino? Para Hilke, todos os acontecimentos fazem parte do que está para vir. “Nenhuma experiência é insignificante, o menor acontecimento desdobra-se como um destino... Há que se reconhecer, aos poucos, que aquilo a que chamamos de destino sai de dentro dos homens em vez de entrar neles. Muitas pessoas não percebem o que delas saiu, porque não absorveram o seu destino enquanto viviam, nem o transformaram em si mesmas... Durante muito tempo, os homens se iludiram acerca do movimento do sol, assim se enganam ainda em relação ao movimento do que está por vir. O futuro está firme, nós é que nos movimentamos no espaço infinito”. As cartas de Rilke contidas no livro provocam a reflexão existencialista. Solitariamente, o leitor se defronta com as próprias decepções. “Não se deve assustar se uma tristeza se levantar na sua frente, tão grande como nunca viu; se uma inquietação lhe passar pelas mãos e por todas as ações como uma luz ou sombra de uma nuvem. Deve pensar então que algo está acontecendo em si, que a vida não o esqueceu, que o segura em sua mão e não o deixará cair. Por que excluir de sua vida toda e qualquer inquietação, dor e melancolia, quando não sabe como tais circunstâncias trabalham no seu aperfeiçoamento?... Acredite: a vida tem razão em todos os casos.”

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