
Os dois últimos dígitos
Os analistas políticos enfatizam que as eleições para o Congresso Nacional, para governador e presidente de 2018 são as mais importantes da história do país. No entanto, todos os pleitos são decisivos porque definem os próximos quatro anos e uma política governamental que, frequentemente, ultrapassa o tempo de duração dos mandatos. Assim, ocorre desde 1989, data da primeira eleição presidencial, após o fim de um longo período ditatorial e a promulgação da constituição de 1988 que recolocou o país no caminho da normalidade democrática. Por uma coincidência histórica, este ano, apenas dois dias separaram o aniversário de 30 anos da constituição (05/10/1988) da data da eleição geral (07/10/2018). Parece muito tempo, mas essas três décadas ainda não foram suficientes para que se perceba que os dois eventos estão interligados e que o direito à liberdade de escolha não tem preço. Apesar dos erros e acertos, a democracia se trata de um valor inegociável que não se pode colocar em risco. Não há nada melhor do que ser senhor do próprio destino.
Logo que as liberdades democráticas foram reconquistadas, o país experimentou um período de euforia, pois havia um consenso de que a volta do voto, por si só, teria uma capacidade redentora para resolver problemas e garantir um caminho de evolução e de conquistas. Não foi o que ocorreu. A democracia também serve para expor as mazelas que nas ditaduras permanecem camufladas, escondidas nos porões e na clandestinidade. Nesses 30 anos, houve avanços, recuos e muitos problemas que ficaram pendentes. O Brasil hoje possui um dos mais modernos sistemas de votações do mundo, todos os representantes são eleitos, praticamente, sem nenhum questionamento jurídico fundamentado. Contudo, dos três poderes constituídos, o legislativo se sobressai justamente como o pior deles, o que apresenta o maior grau de corrupção e o que traz o pior retorno à sociedade a um custo elevado.
Nas primeiras eleições, uma safra de políticos que combateram à ditadura foi eleita à sombra de um passado de luta pela liberdade. O tempo passou e dessa extensa lista que já inclui muitos mortos, poucos sobreviveram ao exercício dos próprios mandatos. Muitas biografias foram indelevelmente manchadas pela corrupção. O curto período democrático serviu para mostrar que uma geração de políticos sucumbiu ao repetir as mesmas práticas contra as quais se insurgiram no período pós-ditadura. Ao contrário do que se pensava, o resgate do direito de votar, não era um fim em si mesmo, mas apenas uma ferramenta para que o sistema fosse aperfeiçoado. A obrigatoriedade do voto permaneceu a contragosto, a reforma dos 35 partidos não ocorreu e o sistema atual não permite que candidatos avulsos participem.
O eleitorado se acomodou ao imaginar que votar de dois em dois anos seria a solução de todos os males e garantiria um sistema minimamente adequado. O eleitor desconhece o trabalho do eleito, a participação na vida pública comunitária ou nacional é pífia e a política não faz parte da lista dos temas de maior interesse. Um abismo surgiu entre os representados e os representantes. Dessa grande depressão brotou o desencanto, a decepção e uma rejeição ao melhor sistema inventado pelo homem para garantir o direito de escolha. Tais como as ervas daninhas, nesse buraco que se agiganta também floresceram os demagogos, os oportunistas, os populistas, os que se apropriaram do sistema em benefício próprio e os que sentem saudades do período autoritário. A experiência mostrou que não existem salvadores da pátria.
Por trás de cada candidato sempre existe uma ideologia, uma intenção, objetivos e compromissos. Os rasos de conteúdo, os tiriricas da política, servem de massa de manobra. Não existe neutralidade política. Durante as campanhas, muitos candidatos enrolam o eleitorado e escondem os verdadeiros interesses. A propaganda atual não serve para revelar conteúdos. A eleição se parece muito com um jogo de xadrez. Uma batalha campal em que os vencedores derrotam os inimigos e protegem o próprio reino. No entanto, a eleição, o xadrez e a própria vida possuem algo em comum: as regras que garantem a legitimidade do jogo e uma relativa igualdade da disputa entre os participantes. Nesta eleição, os eleitores devem ficar atentos porque não escolherão apenas uma pequena lista de seis representantes. Os últimos dígitos da urna eletrônica estão reservados para a escolha do presidente ou do rei. Nessa escolha, a continuidade do jogo e do sistema que vigorou até aqui também está implícita, embutida em cada voto que será depositado na urna.