
Os meios infantilizados
As faculdades de comunicação que se prezam gastam um bom tempo das aulas que ministram advertindo e tentando conscientizar seus estudantes sobre a responsabilidade inerente de quem produz conteúdo para um meio de comunicação de massa, seja o rádio, a televisão, o jornal ou revista. Em um país em que leis são frouxas e que a aspiração individual está alguns andares acima do interesse coletivo, no final das contas, a postura de cada profissional dependerá da sua consciência e da leitura que faz desse mundo dos acontecimentos. Respeitará o princípio do equilíbrio entre as partes, atentará à objetividade e dará ao denunciado o benefício da dúvida ou fará julgamentos sumários de culpas e de absolvições?
Os sucessivos escândalos, envolvendo os altos escalões da República, e as pequenas infrações do dia, cometidas por cidadãos comuns, demonstram que a honestidade ainda tem um campo fértil para crescer. Numa olhada geral pelo mapa dos comportamentos, a ética pode ser classificada como palavra quase morta ou no mínimo fora de relações regidas pelo sentido mercantilista dos mantras do custo e do benefício. Entre tantas mudanças, o vertiginoso crescimento da internet transformou as pessoas que operam um aparelho portátil, com conexão, em um provedor de conteúdo dotado de alta capacidade de disseminação. Quem passeia pelas mídias sociais com o botão do senso crítico ligado fica com a nítida sensação de que mergulhou em um mundo infantilizado com informações de pouca relevância. Nesse reino fantasioso, proliferam mensagens de conteúdo duvidoso, além de uma infinidade de informações falsas, sem fundamento lógico e que na grande maioria das vezes comprometem a imagem de terceiros. Se as marcas da infantilidade ficassem restritas apenas aos ícones que identificam as mídias sociais, não haveria grandes problemas. O símbolo do Twitter pode ser um passarinho inofensivo, o Waze se apresenta com um engraçado balão de gibi e o safári traz a pedagógica imagem de uma bússola, talvez para semear a esperança de que o usuário se oriente e não publique muita besteira. Será que os nerds criadores dessa simbologia infantilizada estão nos convidando para transformar a net num grande parque de diversões, sem uma reflexão mais profunda sobre o conteúdo que está sendo postado?Não raro, esse conteúdo publicado na rede sem muito critério provoca prejuízos financeiros e macula a imagem de pessoas físicas, empresas e instituições de grande porte. No plano das relações pessoais, esses posts distorcidos frequentemente caluniam, difamam, provocam dor e sofrimento. A história revela que as grandes descobertas, no início, vendem enormes ilusões. Em plataformas como o facebook ou o instagram, o observador fica com a falsa impressão de que a vida se transformou num reality show. O celular virou câmera. Em princípio, parecia que as mídias sociais serviriam para tirar os desconhecidos do anonimato e poderiam perenizar o cotidiano, mas no meio do turbilhão de mensagens o post mais recente vai, em segundos, para a lixeira do passado. Até os fatos mais importantes da sua vida entram para uma espécie de gangorra entre o que está publicado na linha de cima e o que já foi para a linha de baixo. Nessa métrica irracional da timeline, na mesma velocidade em que se chega ao topo se desce a ladeira. Sorrateiramente, sem avisar ninguém, a internet está mudando os conceitos que nortearam a vida até aqui, está deletando a perenidade do atemporal para instituir a instantaneidade do efêmero. A propósito dessa questão, você já viu ou sabe onde andam aquelas centenas ou milhares de fotos que seu amigo ou parente tira em todos os encontros? Esse fenômeno da corrida sem linha de chegada já ocorre com muitas mídias sociais. O excesso e a saturação irrelevantes provocam o desinteresse pelo produto da própria ferramenta. Há uma explosão desmedida de conexões. À beira de um estresse doentio, o usuário se encaminha para ficar 100% on-line. Logo, logo, algum gênio da humanidade inventará algum aplicativo para que a criatura possa responder mensagens enquanto dorme. Tem muita gente que já faz isso enquanto se alimenta.
A internet ainda suscita outras hashtags relevantes para o comportamento social como o exibicionismo desmedido, o fim da privacidade ou os efeitos deletérios provocados pela indústria da bobagem. Há, contudo, um problema crucial comprovado pela queda na audiência de TV e de outros meios tradicionais. Os usuários não enxergam as mídias sociais e os aplicativos como fonte de entretenimento ou como opções eficientes para tornar a vida mais ágil. De forma cada vez mais intensa, mídias sociais, com destaque para o facebook, tornam-se uma arriscada fonte de informação, mesmo que esses conteúdos sejam publicados sem nenhum crivo investigativo. Uma quantidade expressiva dos acontecimentos publicados nessas mídias, sem procedência, são falsos, “fakes” clássicos para usar uma expressão bem na moda. Depois dessa súbita e ascendente infantilização do uso dos meios, a sociedade atual está prestes a concluir a perigosa travessia que resultará na descaracterização das notícias, o que significa um grave retrocesso depois da superação do período da censura política e econômica. Veja se essa vai sair no facebook: a informação consequente, com um pouco de consistência, está com os dias contados.