Os presidentes e a mídia

Os presidentes e a mídia

Os conflitos entre a imprensa e os governos são bem antigos, no Brasil, especificamente, remontam à chegada da Família Real Portuguesa em 1808. Por não ter interesse na circulação de ideias na colônia, a Coroa retardou ao máximo o surgimento de jornais. Tanto que o primeiro jornal brasileiro, o Correio Brasiliense fundado por Hipólito José Costa, foi editado em Londres e transportado clandestinamente em navios para o Brasil. A Família Real contra-atacou e na mesma época fundou a Gazeta do Rio de Janeiro para veicular só aquilo que fosse do seu interesse.

O panorama no Império não mudou muito com a imprensa censurada e controlada pela monarquia, mas aos poucos surgiram jornais que declaradamente assumiam posições políticas entre monarquistas, republicanos, liberais, conservadores e abolicionistas. Na República Velha, a grande maioria dos jornais era politicamente engajada com posições partidárias assumidas. As principais forças políticas da época possuíam jornais que defendiam suas propostas. Na era Vargas, de 1930 a 1945, o jornalismo praticamente sucumbiu diante das duas principais posições antagônicas e cristalinas. Havia os que amavam o “Pai dos Pobres” e os que odiavam o caudilho gaúcho.

Não se tem notícias de reclamações dos presidentes militares à cobertura da imprensa. Exceção a um ou outro caso de contrabando noticioso, os jornais, censurados previamente, só publicavam o que o governo permitia. Na fase da democratização, a partir de 1989, praticamente todos os ex-presidentes tiveram relações conflituosas com a imprensa e reclamaram muito da cobertura que receberam. Um dos que se sentiu mais injustiçado foi Fernando Collor, derrubado por sucessivas reportagens que denunciavam casos de desvio de verbas públicas. Uma curiosidade: em comparação à corrupção atual, os escândalos da era Collor eram ninharia. Entre outros, um carro Fiat Elba para uso pessoal do presidente foi comprado com dinheiro vindo das contas fantasma do tesoureiro de campanha. A revista Istoé denunciou que contas pessoais do ex-presidente eram pagas por empresas de fachada.

Logo que criou o Plano Real, Fernando Henrique Cardoso (FHC) recebeu o apoio dos veículos de comunicação e em vários momentos de seu governo discutiu questões importantes com os empresários de comunicação. A despeito desse apoio, FHC sempre reclamou que jornalistas do PT controlavam as redações e desenvolviam uma pauta contrária a seu governo. Como cultivava boas relações com os empresários, Fernando Henrique foi o presidente que contou com a maior condescendência da mídia. Mais ou menos a mesma lua de mel viveu o ex-presidente Lula no primeiro e no segundo mandatos, enquanto não era objeto de denúncias de corrupção. A partir das primeiras denúncias do Mensalão, em 2005, Lula se considera vítima de um insidioso complô feito pela mídia, alvo preferencial de uma grande cadeia de empresas e jornalistas obcecados por destruir a sua imagem e difundir injustiças sobre a sua pessoa. 

O mesmo discurso repetiu a ex-presidente Dilma Rousseff que atribuiu o impeachment e o fim de seu governo a uma grande armação que envolvia quase todos os veículos de comunicação do país mancomunados com o poder judiciário de várias instâncias. O seu sucessor, Michel Temer, também não tem motivos para elogiar a cobertura que a mídia confere ao governo. Os casos de corrupção envolvendo diretamente o presidente foram repetidos à exaustão. A corridinha do deputado Rodrigo Rocha Loures com a mala já foi vista mais de mil vezes. Na sigilosa conversa com o empresário Joesley Batista da JBS, “o tem que manter isso aí” entrou para a história.

Se antes alguns veículos possuíam um peso maior na cadeia de informações, isso hoje não ocorre mais, pois o surgimento de novas mídias pulverizou a audiência em novas TVs, jornais, sites, blogs e as informações das próprias redes sociais. Com a consolidação das técnicas de redação e o surgimento das escolas de comunicação, o jornalismo profissional evoluiu a ponto de a imprensa brasileira ser considerada uma das melhores do mundo. Isso não quer dizer que a cobertura não possa ser distorcida ou que não se cometam erros. Quem escreve notícias são jornalistas ou produtores de conteúdo que possuem uma ideologia que se reflete até mesmo na escolha do vocabulário. Diariamente, a imprensa profissional comete muitos erros e tem por princípio corrigir e abrir espaço aos eventuais prejudicados. No entanto, mesmo uma imprensa que comete muitos erros é mil vezes melhor que uma imprensa censurada ou a reboque de algum governo. Na fase da redemocratização, nenhum presidente brasileiro elogiou o trabalho da imprensa e todos reclamaram dela. Melhor assim. O dia que algum governante aprova o trabalho da mídia provavelmente há algo errado. “Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”, já dizia o sábio Millôr Fernandes lá nos anos 70. 

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