
Os tiriricas da eleição
A editora Sony/ATV Music vai processar o candidato a deputado federal Tiririca (PR) pelo uso não autorizado da música “O Portão”, de Roberto e Erasmo Carlos, em sua propaganda eleitoral. Quem lembra da música? “Eu cheguei em frente ao portão, meu cachorro me sorriu latindo, minhas malas coloquei no chão, eu voltei...”Na paródia escrachada, o candidato/palhaço deu ênfase a um refrão que vem a seguir : “eu votei, de novo, vou votar, Brasília é o seu lugar.” Depois da reclamação da Sony, o YouTube retirou o vídeo do ar. A gravadora, detentora dos direitos autorais de Roberto Carlos, considerou uma afronta o candidato continuar com a propaganda no ar, mesmo depois de ter sido notificado. Bicho! Imagine a raiva que o Rei deve ter ficado, quando viu a sua glamorosa canção romântica, lançada em 1973, ser utilizada para os escusos fins eleitorais do inepto parlamentar.
A defesa do deputado entende que a paródia não infringe os direitos autorais, pois toda a paráfrase altera uma produção original, dando a ela um sentido jocoso. O uso desse expediente seria permitido pela lei. Segundo a legislação do direito autoral, “são livres as paráfrases e as paródias que não forem reproduções verdadeiras da obra original e que não resultem em descrédito”. Com certeza, Roberto Carlos não deve ter achado que a adaptação do Tiririca ficou uma “brasa mora”. Independentemente da filigrana jurídica, a peça que o Tiririca tenta pregar no eleitorado brasileiro rendeu enorme notoriedade. O resultado do ponto de vista eleitoral poderá ser conferido no dia 5 de outubro. Em poucos segundos, a esquisitice fez efeito e o palhaço candidato chamou a atenção da parcela mais descrente do eleitorado. Fazendo troça da eleição, com o raso discurso caricato, Tiririca será eleito? No primeiro dia da propaganda eleitoral, não se falou de outro assunto. As campanhas presidenciais, por exemplo, submergiram diante das sucessivas espetadas que o Tiririca deu no bife, numa alusão ao comercial de Roberto Carlos para a Friboi.A análise da estratégia do Tiririca torna-se importante porque não se trata de um caso isolado. Pelo contrário, em todas as eleições, em todas as regiões do país, tem gente querendo ganhar na base do esculacho. Basta observar a propaganda eleitoral para descobrir quem são os candidatos que apostam na baixaria. A história recente mostra que o candidato folclórico, sem conteúdo algum, vira massa de manobra fácil para os grupos organizados que comandam o Congresso Nacional. No site da Câmara dos Deputados não há um só projeto aprovado por Tiririca. Durante os quatro anos do atual mandato, o candidato palhaço também não fez nenhum pronunciamento. Por livre e espontânea vontade, assumiu o papel de bobo da corte. Sua atuação parlamentar em Brasília se resumiu em contar piadas no cafezinho dos deputados e nos intervalos das sessões. Com generosos espaços na propaganda eleitoral do PR, com direito a bis, os marqueteiros apostam no rebaixamento da campanha política para repetir a façanha de 2010, ocasião em que Tiririca obteve surpreendentes 1.350.820 votos, sendo que 20 mil foram obtidos em Ribeirão Preto. Na esteira dessa armação, mais três deputados pegaram carona para serem eleitos. Atrás de um bobo, sempre tem alguns espertos.
Só para fazer um contraponto razoável, na mesma legislatura em que o Tiririca chegou ao Congresso, Romário foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro. O ex-jogador não é nenhum santo, mas depois de um começo inexpressivo, destacou-se pelas denúncias que fez contra a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Romário está contribuindo para melhorar a gestão do futebol brasileiro e com essa notoriedade, nesta eleição, será candidato ao senado no Rio de Janeiro.
Qualquer eleitor tem críticas a fazer à democracia vigente no país, mas os candidatos que apostam no discurso vazio, no grotesco, querem desmoralizar o processo que resulta de uma longa evolução política, desde que o Brasil foi descoberto, passando pelo período colonial, pela monarquia, pela velha e a nova república, pelas ditaduras e pelos curtos períodos democráticos. A obrigatoriedade do voto desqualifica a votação e nesse terreno pantanoso os “tiriricas” frutificam. A Copa do Mundo mostrou que o torcedor brasileiro possui um enorme repertório sobre futebol. Conhece esquemas táticos, lembra dos clubes por onde o jogador passou, identifica as estrelas de outras seleções e sabe o nome de outros atletas que poderiam estar no lugar dos convocados. Também não se deixou enganar quando comentaristas ufanistas pintavam um futuro verde e amarelo para a Seleção Brasileira. Sobre o futebol, o cidadão brasileiro está muito bem informado. Não se deixa enganar facilmente. Portanto, a consolidação de um senso crítico razoável para escolher melhor não é algo impossível de ser formado. Assim, dará para diferenciar bem o candidato que tem algo a propor do espertalhão que só quer fazer um gato na eleição.