Os vídeos da barbárie

Os vídeos da barbárie

Para quem gosta de se manter informado, os telejornais oferecem um painel diário, com um volume grande de informação sobre assuntos diversos. Dependendo da linha editorial da TV, dá para encontrar um noticiário variado que cobre quase todos os espectros da vida humana, das matérias pesadas sobre os crimes e os assassinatos à leveza dos programas de turismo e de entretenimento. Embora a definição de notícia passe pelo conceito de algo novo e interessante com interesse público, a grande maioria dos fatos segue uma lógica de critérios que se repete dentro da “anormalidade”. Para virar notícia, o fato precisa ter um quê diferente. No jargão do jornalismo costuma-se dizer que se o cachorro mordeu o homem não há nada de interessante, mas se o homem morder o cachorro aí sim houve uma evidente subversão da ordem natural. 

 


O vaivém da economia, os altos e baixos da política e os problemas do cotidiano que afetam a vida das pessoas nas mais diferentes regiões do país são alguns dos assuntos que fazem parte da pauta diária dos telejornais. Desde o final dos anos 90, esse caldo do noticiário entornou. Por invenção dos japoneses, os celulares começaram a vir com câmeras acopladas. Essa novidade produziu um forte impacto na vida social e na forma como foi possível ver e analisar a sociedade. Juntos surgiram as redes sociais e partir daí cada cidadão se transformou numa espécie de cinegrafista itinerante. Fatos da maior gravidade, que antes passavam despercebidos ou que só eram registrados pelas câmeras do jornalismo profissional, ganharam uma nova dimensão. Passaram a ser gravados em tempo real, diuturnamente, com flagrantes chocantes divulgados na mídia e nas redes sociais. Os acidentes de trânsito, os abusos de autoridade e até as agressões saíram do anonimato e começaram a ser vistos por milhões de pessoas.

 


Junto com essa mudança, entre outros aspectos importantes, veio a explosão da barbárie, numa lista sem fim de atrocidades, revelando a face mais perversa do ser humano. Quem observa o noticiário fica com a impressão de que a violência e os fatos escabrosos aumentaram exponencialmente, mas na verdade eles ganharam mais visibilidade. Mesmo com uma medida protetiva em vigor, o ex-namorado ateia fogo com gasolina na ex-namorada. Torcidas organizadas fazem emboscadas para agredir torcedores rivais. Uma das violências recentes mais chocantes foi a morte da torcedora do Palmeiras Gabriela Anelli, de 23 anos, em um jogo do campeonato brasileiro. Numa briga de torcedores, Gabriela foi atingida por estilhaços de uma garrafa que cortaram a veia jugular que drena o sangue da cabeça e do pescoço. A cena de Gabriela caída no chão, desfalecida e amparada por torcedores é uma imagem chocante. Remete à barbárie dos tempos medievais do homem primitivo, época em que cortar o pescoço de alguém era algo corriqueiro. 

 


A investigação da polícia apontou que um torcedor do flamengo arremessou a garrafa contra a torcida do Palmeiras. O autor será processado por homicídio doloso, pois assumiu o risco de matar. Junto com a indignação diante de tanta brutalidade, a pergunta que fica no ar é o que leva alguém a arremessar um objeto cortante em direção a pessoas que não conhece com uma probabilidade grande de ferir ou matar? Por mais hediondo que esse crime pareça, o pior é que ele se repete com frequência, principalmente em estádios de futebol, ambientes que há muito tempo produzem demonstrações explícitas de racismo, homofobia e intolerância. Sobre a morte da torcedora, o Palmeiras publicou uma nota com um texto assertivo. “Não podemos aceitar que uma jovem de 23 anos seja vítima da barbárie em um ambiente que deveria de entretenimento. Manifestamos solidariedade à família da palmeirense e cobramos celeridade na apuração deste crime, que fere a nossa razão de existir e compromete a imagem do futebol brasileiro”. Apesar dessa manifestação, os grandes clubes do país são coniventes e omissos em relação às torcidas organizadas. Há muito tempo que jogos de futebol no Brasil só poderiam ser realizados com uma torcida só. A legislação precisaria ser mais rigorosa para banir dos estádios pessoas que  praticam atos de violência. O pior de constatar esses fatos é perceber que essa escalada da violência parece não ter fim e que até aqui a divulgação massiva feita pela mídia e as redes sociais não tem sido suficiente para intimidar os agressores. Apesar dos milênios de “evolução”, o homem moderno ainda carrega no seu DNA o instinto agressivo dos ancestrais e até sem motivo algum se torna um predador violento. 

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