
Oscar para a diversidade
Poucos eventos provocam tanto interesse mundial. Ao lado da Copa do Mundo, das Olimpíadas e dos bastidores da realeza britânica, o Oscar chama atenção pelo valor da arte cinematográfica e, claro, pelo glamour das celebridades no tapete vermelho. Para o bem ou para o mal, o conteúdo dos filmes e a vida das estrelas interessa à audiência mundial, mesmo que a cerimônia em si não seja vista por tanta gente. Pelo fuso horário brasileiro, o Oscar passa de madrugada e só os cinéfilos mais apaixonados conseguem acompanhar.
Numa relação bem dinâmica, a exemplo do que ocorre com outros fenômenos mundiais, o Oscar influencia ao mesmo tempo em que também sofre influências das mudanças que estão ocorrendo em todos os cantos do planeta. Interessante constatar que a onda da diversidade também sacode as estruturas da mais famosa academia do mundo. No passado, a questão racial esteve no centro do palco com discussões sobre a pouca representatividade das minorias e dos negros entre artistas, diretores e técnicos das produções. Um pouco antes, houve a explosão das denúncias de assédio sexual dentro da indústria cinematográfica. O principal atingido foi Harvey Weinstein, um dos maiores produtores de Hollywood que já foi considerado um dos 100 homens mais influentes do mundo. O produtor foi denunciado por atrizes famosas como Gwyneth Paltrow, Angelina Jolie e Mira Sorvino. O episódio teve desdobramentos no mundo inteiro com denúncias similares inclusive no Brasil, com a revelação de casos ocorridos na Rede Globo.
Um pouco antes, em 2016, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas sofreu fortes críticas com relação à falta de diversidade e cedeu às pressões, contrariando os homens, brancos, com mais de 60 anos, que eram maioria absoluta entre os jurados. A Academia passou a incluir entre os membros da comissão julgadora mulheres, negros, homossexuais e outras etnias.
Esse processo de mudança ainda está em andamento, sem que isso necessariamente reflita em uma premiação mais “justa”, se é que existe justiça na entrega de um Oscar. Vale destacar essa abertura, reflexo de uma pressão da opinião pública mundial. Coincidência ou não, o filme coreano Parasita foi o grande vencedor do Oscar de 2020 e entrou para a história como o primeiro em língua não-inglesa a levar o prêmio de melhor filme da Academia. O longa também arrebatou as estatuetas de melhor filme estrangeiro, roteiro original e de melhor diretor para Bong Joon Ho.
Outra vitória da diversidade na cerimônia mundial foi o discurso de Joaquim Phoenix, ator responsável pela magistral interpretação do Coringa. Phoenix ganhou o primeiro Oscar da carreira e protagonizou o discurso mais emocionado da premiação. O ator comentou sobre o fato de o ser humano ter o hábito de explorar minorias sociais e defendeu os direitos das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos transgêneros, dos indígenas e dos animais. “Quando falamos sobre desigualdades e racismo, estamos falando da luta contra a injustiça, a luta contra a noção de que um povo, uma nação, uma raça, um gênero ou uma espécie tem o poder de dominar a outra”, afirmou o ator.
Muita gente ficou incomodada com o filme que representou o Brasil no Oscar na categoria documentário. A narrativa de Petra Costa em “Democracia em Vertigem”, favorável ao ex-presidente Lula, sustenta que o impeachment foi um golpe e minimiza a responsabilidade do PT na Lava-Jato. Trata-se de um ponto de vista da diretora que inclusive faz a narrativa em primeira pessoa. Assim funciona a diversidade com a pluralidade de exposições que a arte bem sabe expressar. A versão da diretora não representa uma posição homogênea dos brasileiros e nem poderia ser diferente. Milhões de pessoas concordam com sua visão, outros tantos milhões discordam radicalmente. Opositores do ex-presidente já prometeram um documentário de contestação. Felizmente, a arte está um pouco além e não se restringe às fronteiras da ideologia. Ao espectador deve ser assegurado o direito de conhecer as narrativas para depois escolher aquela que melhor se encaixa na sua visão de mundo. Assim, o Oscar de 2020 ficou em boas mãos, a diversidade foi premiada!