
Ouro para o senso crítico
A opinião pública brasileira está se tornado cada vez mais crítica, mais exigente com posições contraditórias sobre temas relevantes. Em curto espaço de tempo, houve a polarização radicalizada nas eleições presidenciais de 2014, recentemente o debate com direito a passeatas e protestos pró e contra o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Agora, segundo pesquisa feita pelo Datafolha, a sociedade brasileira se dividiu literalmente ao meio com a realização das Olimpíadas no país. Desde que esse debate não extrapole para a violência, a tomada de posição sobre os grandes temas se traduz em passos em direção à maturidade. A sociedade está descobrindo que paga a conta de todos os atos do governo. Descontados os excessos cometidos nas redes sociais, o processo avança quando o cidadão discute temas bem mais relevantes do que as fracas atuações da seleção masculina de futebol.
Há sete anos, a candidatura brasileira para sediar a Copa e os Jogos Olímpicos fez parte de uma grande estratégia política do ex-presidente Lula. O plano de mostrar um país pujante, como chegou a mostrar a capa da influente revista inglesa Economist, naufragou. As Olimpíadas estão sendo realizadas em um momento em que o país está mergulhado em uma das mais graves crises da sua história. Atolado em processos judiciais, Lula nem pôde comparecer aos Jogos. O complexo olímpico e as arenas são impecáveis, mas o mesmo não se pode dizer das estradas do país, do estado calamitoso dos hospitais, da precariedade das escolas e das ruínas em que se transformaram alguns presídios. Os recursos bilionários que foram destinados aos jogos olímpicos chegavam ao destino com uma velocidade de dar inveja a outras demandas graves do país. Pouco antes dos jogos começarem, reportagens de TV denunciaram a precária e desumana situação de hospitais no Nordeste, onde enfermeiros passavam o dia se revezando para bombear, manualmente, oxigênio para pacientes que deveriam respirar mecanicamente.
O orçamento da bela e criativa cerimônia de abertura, muito elogiada pela imprensa do mundo inteiro, não teve seu valor divulgado oficialmente. Os organizadores disseram que foi uma cerimônia barata, mas faltou no mínimo transparência. Quem pagou a conta nunca ficará sabendo quanto foi. Especulam R$ 100 milhões, mas depois da abertura, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha divulgou que o comitê Rio-2016 recebeu um aporte de R$ 270 milhões para cobrir um déficit para as cerimônias de abertura e de encerramento. Um total de R$ 120 milhões vieram dos contribuintes brasileiros, via governo federal, e outros R$ 150 milhões saíram do bolso dos contribuintes cariocas através da Prefeitura do Rio. O custo da Olimpíada já está em R$ 40 bilhões e não para de crescer. Desse total 17 bilhões (43%) são recursos públicos.
Esse senso crítico aguçado da população, cada vez mais latente, não tem poupado lideranças nacionais, principalmente nos grandes eventos. Em 2007, na cerimônia de abertura dos Jogos Pan-Americanos, o ex-presidente Lula foi vaiado. Em 2014, na entrega da taça de campeão do mundo para a Alemanha, a presidente afastada Dilma Rousseff passou por esse constrangimento. Na abertura dos Jogos Olímpicos sobrou também para o presidente interino. Durante a cerimônia, sabedor de que não tinha popularidade suficiente para encarar seus compatriotas, Michel Temer fez malabarismos no cerimonial para tentar passar incólume às vaias. Abriu os jogos sem ter seu nome anunciado e mesmo assim foi vaiado quando o público reconheceu a sua voz.
A cerimônia de abertura representou bem a diversidade cultural brasileira e mandou uma importante mensagem ambiental ao mundo. Exceção feita ao doping declarado dos russos, as histórias de superação revelam a pureza genuína do esporte que deve ser protegido do interesse manipulador dos governantes, algo que tem sido feito com maestria pelo prefeito do Rio de Janeiro. Apostando na negativa de Temer de concorrer em 2018, Eduardo Paes (PMDB) usa a exposição dos Jogos Olímpicos para catapultar a candidatura à presidência da República. Olimpíadas e conjuntura política não devem fazer parte do mesmo jogo. O viés da emoção não pode ofuscar a avaliação crítica. Demandas sociais atendidas valem mais que medalhas olímpicas. Um país vencedor é aquele que oferece vida digna para seu povo e que coloca medalhas no peito sem precisar maquiar a sua realidade. O grande campeão não é aquele que corre mais ou pula mais alto, mas aquele que supera com ética e correção as barreiras da vida. Nada contra o esporte e o espírito olímpico, mas indicadores de qualidade de vida são bem mais importantes do que os recordes ou do que o placar do quadro de medalhas.