
Palmatória para essa oratória
A revista Veja deu uma chapuletada nos principais candidatos à presidência na sua edição de 11 de agosto. A matéria de capa destacava as vantagens que o brasileiro comum pode obter na vida se souber falar e escrever bem, mas desancou os presidenciáveis ao afirmar que o primeiro debate na TV, promovido pela Bandeirantes, foi “ininteligível”, que os candidatos cometeram erros graves de português e que ainda por cima são prolixos. O texto da Veja afirma que os candidatos se perderam em anacolutos — figura em que o orador faz uma mudança brusca de construção e vai quebrando frases a esmo — sem falar dos tradicionais solecismos, traduzidos como erros de sintaxe.
A Veja costuma abusar das hiperbóles em seus textos, mas a revista acertou no aspecto cruciforme da crítica. Em primeiro lugar, quando se analisa a Língua Portuguesa, quem atira a pedra no erro alheio precisa tomar cuidado e dar uma olhada em volta para verificar se não incorre em desacerto análogo. Hoje, existem inúmeras ferramentas que avisam o internauta da menor incúria gramatical cometida, mas mesmo assim as incongruências são cada vez mais frequentes e maiores. Há no mais ladino cidadão uma sobeja predileção pelo reducionismo preguiçoso que vai minando a sonoridade da linguagem. No nosso dia a dia, beleza, por exemplo, virou “belê”.
A comunicabilidade ou a falta dela na boca dos candidatos desvela o rebaixamento da qualificação e a despolitização dos representantes públicos, processo que se acelerou nos últimos 50 anos e que pode ser percebido mais claramente no nível dos candidatos que disputam a presidência. E olha que estamos falando dos melhores, dos representantes dos maiores partidos que estão à frente nas pesquisas eleitorais, sem entrar no mérito dos nanicos que usam bordões esdrúxulos para seduzir parcelas incautas do eleitorado.
Observem o enfoque da campanha do “Ficha Limpa”. Não está no escopo do movimento tentar mobilizar o país para elevar o padrão de qualidade dos candidatos, mas apenas impedir que larápios condenados pela justiça tomem de assalto a fazenda pública. Em cada comício, discurso ou debate na TV, os candidatos à presidência deveriam proferir propostas suficientemente claras para despertar o interesse do eleitorado. Via de regra isso não acontece. Talvez por isso, apesar da nobreza do propósito, o debate promovido pela Bandeirantes tenha obtido minguados 3% de audiência, perdendo para a transmissão do jogo do São Paulo e Inter ou para outras atrações bizarras exibidas no horário nobre. É claro que não iremos a lugar algum alimentando as quimeras do passado e nem lamentando a perfídia oral dos candidatos. Jamais poderemos esquecer que o último “hour concur” da oratória presidencial enganou com facilidade 35 milhões de eleitores em 1989. Quando se discute o palavreado e a oratória, os olhos não podem se deter nos dissimulados invólucros da política, sem se chegar de fato ao ponto nevrálgico. Falta-nos um projeto político consistente capaz de tornar concretos os desejos incontidos que sempre empolgam as massas. Em síntese, trazer de volta para o debate a boa e velha utopia.