A pamonha do Cortella

A pamonha do Cortella

O filósofo Mário Cortella advoga o resgate da convivência familiarQuando o caro leitor, estiver lendo estas linhas, certamente haverá alguém preso em um congestionamento gigante, vociferando contra o preço dos pedágios ou disputando a tapa um pedaço de areia para fincar o guarda-sol, estender a toalha, abrir as cadeiras, para enfim poder esbaldar-se em baixo de um sol a pino que nenhum dermatologista recomenda.

Para contribuir com uma reflexão mais altruísta durante o Reinado de Momo, vem a calhar uma entrevista do conhecido professor e filósofo, Mário Sérgio Cortella, que advoga uma sui generis “rejeição da despamonhalização da vida”. Cortella usa a metáfora da saborosa pamonha para criticar a imediatização do mundo em que tudo precisa ser instantâneo, do macarrão às relações afetivas. Sem saudosismo, o renomado educador pede a volta da preparação da pamonha como símbolo do resgate da convivência familiar. Os que possuem uma veia campesina certamente sabem disso. Nada mais trabalhoso do que preparar uma pamonha. É preciso levantar cedo, colher o milho na roça, arrancar a palha, ralar, cozinhar e costurar o saquinho de palha. Vai um dia inteiro, mas as crianças e os adolescentes aprendiam que por trás de uma pamonha na mesa havia um longo processo de trabalho, uma divisão de tarefas e horas de convivência para que esse prazer pudesse, enfim, ser compartilhado. Preparar a pamonha também era uma chance para exercitar a paciência. 

As novas gerações estão se formando com a ideia errônea de que tudo na vida é indolor e que até o dinheiro das compras brota fácil do bolso dos pais. Desconhecem o esforço e o trabalho necessários para cada conquista. Cortella observa que, hoje, produções similares a da pamonha, que andam na contramão do fast food, foram gradativamente substítuídas por processos “miojizados” que demoram três ou quatro minutos no máximo. Nessa sociedade do instantâneo, há uma preferência crescente pelo sistema do drive-thru, uma invenção moderna que permite comer, dirigir, escutar música e conversar com os filhos, tudo ao mesmo tempo. Estão findando os dias em que havia a solene degustação da convivência. O significado do verbo curtir está ficando restrito ao facebook. Nas prateleiras dos supermercados, o macarrão e os produtos de preparação rápida desfrutam de enorme aceitação, o que vai consolidando esta cultura da pressa.

Cortella defende que a despeito de todas as praticidades do mundo, as pessoas não podem se tornar exageradamente práticas. Os processos comunitários, mesmo que sejam mais trabalhosos, não podem ser esquecidos sob pena de nos tornarmos frios, apressados, excludentes, superficiais, individualistas e fugazes. Daqui a pouco, as novas gerações terão dificuldade para entender que nem tudo na vida pode ser feito na hora. Anterior ao consumo imediato ou a satisfação automática de um simples desejo existe o processo e, na maioria das vezes, este segundo é até bem mais importante do que os dois primeiros. 

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