Para teclar um bom voto

Para teclar um bom voto

Otto Von Bismarck, diplomata alemãoOtto Von Bismarck, diplomata alemãoO dia tão aguardado chegou cheio de dúvidas e de certezas. As pesquisas mostram que muitos eleitores não sabem em quem votar e mesmo entre aqueles que já definiram o voto pairam profundos questionamentos. Por mais que se alardeie o distanciamento do eleitor com a política, a maioria sabe que a escolha de um presidente da República, por exemplo, tem influência direta na vida pessoal de cada cidadão e de sua família. Em país em que a economia não cresce, fica mais difícil arrumar um emprego. Em uma nação que investe mal os recursos, a saúde vira fator de risco e a educação um entrave à ascensão profissional. Pelo menos para presidente, desde 1989 não havia uma eleição tão disputada.  A maioria tem consciência da importância do voto.

Na efêmera solidão da cabine eleitoral, sem direito às lamúrias pela falta de melhores opções, o eleitor pode mentalizar a frase atribuída ao influente estadista alemão do Século XIX, Otto Von Bismarck, que teria definido a política como a arte de fazer o possível. Nem a democracia, o melhor sistema que até hoje a humanidade conseguiu inventar é capaz de dar conta de todos os desejos humanos, abrangendo nesta longa lista as necessidades básicas até as ambiciosas realizações pessoais. Justamente por isso, a democracia carrega em si o salutar germe da utopia, aquela eterna insatisfação que sempre impedirá o sistema de atingir a perfeição. Não resta outra alternativa a não ser caminhar em busca desse ápice. Em significativos momentos da história, quando essas aspirações individuais conseguem convergir, elas formam o consenso, uma mola propulsora para que a democracia e suas regras de convivência avancem um pouco mais. Evoluímos da escravidão para a República, o regime da teoria dos direitos iguais. Ainda temos que colocar isso em prática para eliminar o preconceito e o racismo. Numa hipótese otimista poderemos extirpar ou minimizar a corrupção. O advento da delação premiada, com as revelações de Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, está tirando o sono de muita gente. Pena que a opinião pública nacional só tomará conhecimento desse conteúdo explosivo quando as urnas já tiverem esfriado. Mudar ou transformar depende muito do conhecer.

Para cobrar os governantes, Boal subverteu a frase de Bismarck

Os diretores de teatro, pródigos em transformar a realidade em arte, costumam ser subversivos, no bom sentido. O genial Augusto Boal que, entre as várias funções do teatro, também aquiescia à nobreza dessa arte como instrumento de emancipação política, deu uma bela subvertida na frase do Bismarck. Em um discurso no Fórum Social de 2009, em Belém, um pouco antes de falecer, Boal, bem a propósito deste enigmático momento do voto, confrontou o célebre diplomata alemão ao declarar que deveríamos lembrar os governantes que a política “não é a arte de fazer o que é possível fazer, mas sim a arte de tornar possível o que é necessário fazer!”

Informalmente, na conversa com os eleitores, longe das insanidades que circulam pelas redes sociais, percebe-se que o eleitorado desconfia e tem muito medo da incerteza. Tal qual o banco que empresta dinheiro, não quer abrir mão das garantias, mas, no mundo atual, as certezas se desfazem em segundos e o risco é inerente. Na política, as sociedades se movem pelo confronto de forças, quando esse movimento é bem-sucedido brotam o bom senso e a justiça.

Mesmo sendo obrigatório, com opções questionáveis, o voto que vai se enraizando na urna eletrônica é uma significativa reafirmação de valores, de desejos e de reivindicações. Nesse ato secreto do eleitor estão embutidos o passado, o presente e o futuro. Para fazer uma boa escolha na hora de digitar os números, invoca-se a memória para relembrar o desempenho do candidato votado na eleição passada, resgatam-se as aspirações semeadas nas manifestações de junho de 2013 e projetam-se as conquistas que dependerão dos novos governantes.

A cada eleição que passa, ficamos mais íntimos da digitação dos números ao som daquela trilhazinha sonora do dever cumprido. No meio desse ritual cívico, há um jogo pesado de manipulação ideológica, uma guerra declarada entre esclarecimento e a desinformação, uma tentativa escancarada de aviltar o processo para retirar das mãos do eleitor o poder da decisão. A eleição torna-se um embate entre a dominação e a consciência. Pesquisas questionáveis, debates em altas horas na TV, onda de boatos nas redes sociais, atribuição de falas declarações e a overdose de números que nunca serão comprovados. No entanto, todas essas artimanhas não devem afastar o eleitor do processo. Para isso, vale usar um artifício meio arcaico: a boa e velha cola de papel para não errar e digitar os números que garantem um bom voto.

Compartilhar: