Paradigmas da política

Paradigmas da política

O presidenciável José Serra declarou em campanha que a política no Brasil hoje vive um problema de caráter. Talvez por isso seja algo tão difícil de resolver. Nada mais subjetivo do que avaliar o comportamento das pessoas quando ele não é balizado por nenhum tipo de regra. Sem retrospectos, conteúdos ou programas partidários, o político desliza pelo crivo do eleitor tal qual um peixe bem ensaboado.

Nas conversas informais, quando algum cidadão espontaneamente declina a intenção de voto, na maioria das vezes, percebe-se que há uma salada mista partidária. O eleitor vai garimpando os melhores candidatos entre os 27 partidos inscritos na Justiça Eleitoral. Pega o senador de um, o deputado de outro e assim compõe o voto. Diante da fragilidade partidária atual, essa incoerência eleitoral nem pode ser recriminada, embora esteja muito longe do ideal de consciência política.

Como a própria palavra diz, o partido enseja a formação de uma corrente de pensamento para organizar a sociedade e sistematizar a vontade popular. Embora os partidos sejam o principal instrumento de acesso ao poder, na sociedade brasileira as agremiações partidárias são bem menos organizadas do que outras instituições como os clubes de serviço, a igreja ou as entidades do terceiro setor.

É mais fácil para qualquer eleitor saber quais os objetivos da Fundação Abrinq do que o cidadão comum apontar as propostas do PMDB para a reforma tributária. Isso ocorre porque a vida multipartidária brasileira possui uma história muito recente, um período insignificante, de apenas 30 anos, se comparado aos 510 anos de Brasil ou aos 121 de República. Depois do fim do bipartidarismo da Arena e do MDB, desde o começo dos anos 80, as várias correntes de pensamento tentam se organizar de modo a sistematizar uma perspectiva consistente de sociedade.

Bem, passados 30 anos, parece que a confusão ideológica só aumentou, daí o cetiscimo do eleitor a cada eleição. O Corintiano é sem dúvida um cidadão bem mais convicto da sua preferência. Hoje, temos comunistas defendendo a ampliação das áreas de desmatamento, políticos com discurso de esquerda fazendo alianças com as oligarquias mais reacionárias e políticos de direita assumindo bandeiras que historicamente eram da esquerda. O governo Lula sintetiza as contradições e os paradoxos da vida nacional. Do alto de sua popularidade de 94% de aprovação, o ex-metalúrgico colhe rasgados elogios dos banqueiros nacionais e das empregadas domésticas. O político outrora de esquerda, que nos áureos tempos pregava o calote da dívida externa, colocou na presidência do Banco Central um ex-funcionário do Banco de Boston. E a esmagadora maioria aprova a gestão.

São essas ambiguidades da política nacional que deixam o eleitor cheio de dúvidas e de incredulidade diante dos políticos que se apresentam a cada eleição. Complementando a observação de José Serra, dá para acrescentar que falta na política nacional os bons paradigmas, traduzindo para o popular seria o mesmo que referências de conduta ética. Dia desses apareceu na TV, a simbólica figura do senador gaúcho, Pedro Simon, magrinho, de cabelos brancos com as indeléveis marcas dos 80 anos de vida, meio século de atuação pública e nenhum escândalo no extenso currículo que inclui quatro reeleições para o famigerado Senado da República. E como sonhar não custa nada, a abertura das urnas poderia nos trazer novos e bons paradigmas para a política nacional!

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