
Partido sob encomenda
Quem souber do paradeiro de parlamentares brasileiros dispostos a vestirem a camisa da oposição para fazer um contraponto pragmático aos desmandos inerentes ao exercício do poder favor informar ao eleitorado nacional. O último grande lance do xadrez da política nacional foi dado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que era filiado ao DEM, partido que na árvore genealógica da política brasileira tem como tataravós a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático (PSD). Esses dois antigos representantes das oligarquias nacionais foram progenitores da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), que deu origem ao Partido Democrático Social (PDS), de cujo ventre saiu o Partido da Frente Liberal (PFL), uma versão mais light dos partidos conservadores, que veio a desembocar no DEM e em outras agremiações de perfil igualmente conservador como o Partido da República (PR) e o Partido Popular (PP).
Pois bem, Gilberto Kassab se encaixaria no perfil dos políticos inexpressivos se não fosse o prefeito da maior cidade do país. Sem alicerce para novos voos e abrigado em um partido que vem definhando nas urnas ano a ano, Kassab resolveu dar o pulo do gato a pouco mais de dois anos da eleição para governador. Enquanto a cidade que administra naufraga nas enchentes, Kassab acalenta o sonho de conquistar o governo do Estado em uma disputa contra Geraldo Alckmin.
Para tentar viabilizar o seu projeto político pessoal, o prefeito de São Paulo manipula a legislação eleitoral brasileira e, por ironia do destino, ressuscita o velho Partido Social Democrático (PSD), propugnando algumas bandeiras já defendidas por uma dúzia de partidos nacionais, tais como a defesa da livre iniciativa, a liberdade de imprensa e o respeito ao contribuinte. Não por obra do acaso, o novo partido já nasceu filiado à situação, apoiando tanto a presidenta Dilma Rousseff quanto o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pelo menos por enquanto. Se houvesse alguém governando a Lua, certamente também contaria com o apoio incondicional de Kassab. O Partido Social Democrático (PSD) renasce com viés arcaico. O antigo, ora ressuscitado, foi fundado com a benção de Getúlio Vargas, em 1945, e extinto pela ditadura militar em 1965. Nos primórdios, reunia os antigos interventores do governo federal. Na modernidade, congrega políticos que querem pular do barco à deriva e armar novos palanques para as próximas disputas. Como se vê, o novo se mistura ao velho para tornar a cor do caldo mais palatável.
Esse parto artificial do PSD mostra que não se fazem mais partidos como antigamente, siglas de oposição genuínas viraram relíquias. Na Câmara Federal e nas assembleias legislativas, parlamentares pedem senha para ingressarem nas hostes governistas e desfrutarem das benesses do poder. Partidos que outrora foram de esquerda, como os comunistas e os socialistas, foram devidamente cooptados pelo status quo. Hoje, as bases governistas federais e estaduais reúnem um extenso e contraditório espectro de parlamentares ávidos por acessarem o poder por dentro. Deram adeus à oposição pragmática. Parlamentares se tornaram escravos da política de resultados. Nessa mudança, o eleitorado tem culpa no cartório, pois passou a exigir que os seus representantes se tornassem despachantes de luxo para quebrar galhos no varejo em detrimento do atacado das questões nacionais. Valores como a ética partidária, a visão de estado e a coerência das propostas se perderam no processo de mediocrização ideológica instaurado no pós-64. O resultado dessa miscelânea partidária, a gente vê todos os dias no rádio e na TV.