
Perdemos a Copa
O Brasil perdeu a Copa da organização, do legado das obras de infraestrutura e a oportunidade de mostrar ao mundo a imagem de um país sério e bem organizado. O governo brasileiro teve sete anos para preparar o Mundial, mas nem assim as obras ficaram prontas. A Copa da sobriedade e do planejamento acurado já foi para o brejo. Agora, veremos qual será o resultado da disputa dentro de campo. A FIFA, encarnada na figura do famigerado secretário, Jerome Valcke, cansou de reclamar dos atrasos e só mudou o discurso na reta final para não estragar o clima da festa. E olha que a entidade que comanda o futebol mundial está chorando de barriga cheia, pois ao término das 64 pelejas levará para a Suíça, livre de impostos, mais de R$ 4 bilhões. Entre os últimos organizadores da Copa, o Brasil foi disparado o mais generoso dos anfitriões, pois isentou a FIFA do pagamento de impostos, fato que não ocorreu em outros países que sediaram o Mundial. O governo ainda aceitou todas as regras impostas pela Fifa e até criou autoclaves dentro do território nacional. As leis que proíbem a venda de bebidas alcoólicas estão suspensas e não valem dentro dos estádios, contrariando o estatuto do torcedor.
O último chute criticando as falhas na organização do Mundial veio de onde menos se esperava. Mesmo na condição de integrante do Comitê Organizador e cheio de interesses na Copa, o ex-jogador Ronaldo Fenômeno declarou que se sentia envergonhado com a organização brasileira e que estava cansado da corrupção e de tantas obras superfaturadas. “Todo dia tem um filho matando a própria mãe e um escândalo na TV, estádios superfaturados e desvio de dinheiro público na Petrobras”, desabafou o ex-jogador, resumindo a sensação de indignação que tomou conta da sociedade brasileira nestes dias que antecedem à competição. Foram muitos erros de planejamento e de execução. A própria Fifa declarou que o Mundial poderia ser organizado, de forma racional, com oito arenas, mas o governo brasileiro bancou 12 para fazer o jogo político, uma média com estados sem tradição no futebol, casos do Mato Grosso, do Amazonas, do Rio Grande do Norte e do Distrito Federal.
Essa percepção de que o país perdeu uma ótima oportunidade para projetar mundialmente uma imagem positiva se disseminou pelo país, apesar do discurso oficial. Hoje, a sensação é de desencanto em relação ao Mundial. Esse baixo astral está estampado na palidez da decoração das ruas. A poucos dias do começo, mesmo com a massificação da cobertura da Seleção Brasileira e a força da propaganda institucional, não há aquela empolgação que havia em copas anteriores. Os baldes de água fria para os anfitriões do Mundial não param de chegar. Recentemente, o jornal Folha de São Paulo apresentou a conta da Copa com os juros e a correção monetária. O país vai desembolsar algo em torno R$ 30 bilhões com a organização do evento.
Em vez do clima de festa, há muita apreensão no ar com ameaças de greves, paralisações, protestos violentos e até boatos de rebeliões do crime organizado. No campo da economia, os comentários giram em torno da alta da inflação, das deficiências da infraestrutura, da baixa produtividade, da queda dos investimentos e das fracas perspectivas de crescimento para 2014. Só a carga tributária permanece em alta. A incerteza talvez seja a palavra que melhor define o momento atual, desfavorável ao ambiente dos negócios.

Neste momento pré-Copa, com o caldeirão fervendo, cada brasileiro terá que fazer uma reflexão para separar bem o papel do cidadão, do eleitor e do torcedor. Não se trata de chegar ao ponto de torcer pela derrota da Seleção Brasileira, nem tampouco de embarcar de olhos fechados na onda ufanista dos gritos do Galvão Bueno. A tarefa não será fácil, pois será preciso discernir a cidadania envolvida nos gastos da Copa, verificar a legitimidade dos protestos que tomarão conta das ruas, além da sabedoria para separar o resultado das urnas do placar das partidas. Ainda será preciso torcer para que não aconteçam cenas de violência que destruiriam a imagem internacional do país. Os gritos de gol não podem sufocar os gritos de protesto. Dentro e fora do estádio, será preciso agir com a civilidade que deve ser inerente a qualquer anfitrião. O Brasil perdeu a Copa da organização, mas pode ganhar a Copa dentro de campo. Na arquibancada, na rua ou dentro de casa, o brasileiro terá que ficar atento para ver “qual é o jogo que será jogado.”