Pesadelo no trabalho

Pesadelo no trabalho

Se no mundo da política, as negociações, os acordos, os entendimentos e os pactos eventuais em torno de interesses comuns vão de mal a pior, no mundo do trabalho, as relações entre patrões e empregados desceram a ladeira para se confrontar no judiciário. O mesmo ocorre em relações societárias ou entre colegas de trabalho da mesma escala hierárquica. Será que a famosa “puxada de tapete” de agora virou uma onda contagiante que supera em muito as relações mais desprovidas de interesse que vigoraram outrora? Não há uma resposta categórica para esta pergunta. Quando se comparam épocas diferentes, o equívoco torna-se quase que inevitável, ainda mais que o mundo do trabalho atual foi fortemente impactado pela tecnologia que não era utilizada de forma tão intensa nos anos 60, 70, 80 e mesmo 90. Contudo, a informatização que deveria ser algo benéfico está contribuindo para tornar o trabalho um grande pesadelo.

A mudança nefasta ocorreu a partir da virada deste século. Os especialistas nas querelas da humanidade costumam apontar alguns fatores que justificam a queda de qualidade das relações profissionais. Em um passado recente, pouco se ouvia falar em assédio moral e quando isso ocorria os casos não tinham tanta gravidade.  Hoje, a conversa informal com algum trabalhador quase sempre revela um ambiente de trabalho corroído pela violência, em razão da precariedade do emprego, da insana concorrência entre empregados da mesma função, da realização de tarefas em ritmo cada vez mais acelerado, do crescimento do desemprego, do desespero desenfreado para reduzir custos, da precarização das relações de trabalho (vide projeto em andamento no Congresso Nacional), da informalidade, da prepotência e da pura falta de educação de chefias e de lideranças.

Todos esses fatores contribuem para a degradação do ambiente de trabalho, com graves repercussões na saúde dos empregados, o que resulta em distúrbios psicológicos,  tristeza, infelicidade, frustração, raiva e instabilidade emocional com reflexos na vida pessoal e familiar. Todas essas circunstâncias concorrem para o aumento do número de casos de assédio moral que agora começam a ser canalizados à Justiça do Trabalho. Mascarado e despercebido pela dificuldade de caracterizar essa agressão, o assédio moral consiste numa exposição constrangedora e humilhante do indivíduo, por um tempo prolongado. Essa ação depreciativa, praticada por uma ou mais pessoas, fica muito bem traduzida por verbos como ridicularizar, gritar, ofender, xingar, assustar, humilhar e expor. O desregramento pode começar de cima para baixo, devido a uma cultura depreciativa instituída ou permitida pelos donos da empresa, como também pode se instalar de baixo para cima pelo comportamento nefasto entre colegas do mesmo nível hierárquico. Infelizmente, as relações no mundo do trabalho estão ficando contaminadas por mesquinharias, falsidades e comportamentos egoístas de pessoas “que pisam no pescoço da própria mãe para subir um degrau”.

Se houvesse um ranking entre as áreas empresariais, provavelmente a de vendas estaria em primeiro lugar, seguida de perto por muitas outras, devido à eterna pressão por resultados. Não raramente esse processo de cobrança exacerbada acaba em ofensas e em xingamentos quando as metas não são alcançadas. Quem vende menos costuma ser alvo de chacota.

Tal qual a epidemia de dengue, esse mal já se alastrou para pequenas e grandes empresas, repartições públicas, ou seja, está presente em quase todos os ambientes onde líderes e liderados enfrentam enormes dificuldades para compreender que o local de trabalho tornou-se um espaço a ser intensamente compartilhado. Para conviver com um nível mínimo de cordialidade são necessários educação, postura, espírito de grupo, disposição para negociar, flexibilidade, transparência, honestidade e, principalmente, caráter e autocontrole. O assédio sexual merece uma crônica à parte. Nos últimos anos, o mundo corporativo brasileiro degringolou tanto que várias instituições e veículos de comunicação do país instituíram prêmios que identificam “as boas empresas para trabalhar”. Se as boas são tão raras que merecem prêmios, certamente, você, caro leitor, conhece alguma empresa ou órgão público muito ruim para trabalhar. Meus pêsames se, quase ao final deste texto, a instituição que você pensou é a sua.

Não obstante a análise sociológica, essa degradação resulta da falta de compreensão de que o ambiente de trabalho se trata de um espaço coletivo, de convivência compartilhada, responsável maior pela felicidade e o bem-estar do indivíduo. A despeito de todas as características que fazem parte de um processo cujo objetivo final é a geração de lucro, a lei não permite que direitos elementares sejam atropelados. As próprias empresas deveriam ser as maiores interessadas em mudar essa realidade, pois o assédio da moral na intensidade em que está sendo praticado provoca absenteísmo, afastamentos por licença médica, baixa produtividade e, consequentemente, queda no lucro da empresa. Por isso, combater o assédio moral é o que se pode chamar de uma estratégia inteligente.

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