
Pessimismo à brasileira
Cursos de marketing, palestras motivacionais e as filosofias da autoajuda não dão tréguas e fazem um combate sistemático ao baixo astral. Essas teorias metafísicas, não comprovadas cientificamente, dizem que o pessimismo contamina negativamente o ambiente. Pensamentos carregados teriam o poder de atrair maus fluídos e até provocar tragédias e desgraças. Será que a mente humana tem mesmo esse grande poder de interferir nos destinos da vida?
Para os materialistas, o que move o mundo são as forças econômicas antagônicas, vistas sob o prisma da razão. Na antítese, a grande maioria dos médicos — especialistas em ciência — afirma nos consultórios que o espírito alegre, com disposição e entusiasmo, torna-se um remédio poderoso contra inúmeros males. Apesar dessa interminável discussão sobre os efeitos do entusiasmo, que testa os limites da fé, ninguém pode ser dar ao luxo de viver no mundo da lua, tal qual o otimista inveterado que fecha os olhos para a realidade a sua volta e se aliena. E quem aguenta por muito tempo o nhe-nhe-nhem do pessimista contumaz? O mundo não se modifica por encantamento, mas pela ação efetiva do sujeito sobre a realidade, seja ela particular ou universal.
Se os filósofos desfilassem pela história como se estivessem em um bloco de Carnaval, o pensador Arthur Schopenhauer carregaria o estandarte da visão pessimista do mundo. Para o filósofo do Século XIX, no campo da doutrina metafísica, os aspectos maus ou negativos da existência, de longe, superam os bons e os acontecimentos positivos. Convertido ao ateísmo, Schopenhauer influenciou uma legião de ilustres intelectuais, de Jung a Freud, de Machado de Assis ao argentino Jorge Luis Borges. Para o pensador, a consciência humana não vai muito além da superficialidade, pois tenta conferir causalidade a seus atos e ao próprio mundo. Essa parte da filosofia, por exemplo, encaixa-se como uma luva na psique da presidente Dilma Rousseff, para quem a realidade mundial e nacional insiste em não se enquadrar na lógica dos atos de seu governo. Na visão da presidente, numa atípica e irracionalidade inerente à vontade, a sua administração faz tudo certo, o mundo é que conspira contra.
O legado Schopenhauer para o próprio cidadão comum não tem nada de animador, pois o próprio ser humano seria a fonte do sofrimento ao se lançar numa busca sem fim por aspirações que jamais conseguirá alcançar. A partir dessa premissa se chega ao ápice de um pensamento pessimista. O prazer se resumiria à supressão momentânea da dor, esta sim a única, verdadeira e dolorosa realidade. Esse sentimento negativo, materializado nas ideias do filósofo, facilmente, encontra guarida nas corriqueiras e férteis tragédias da realidade brasileira.
Na mais recente delas, um mar de lama, no sentido denotativo da expressão, arrasou uma pequena comunidade em Minas Gerais, soterrando as histórias e os sonhos de 600 pessoas. Não há nada de novo nisso. Hoje, as tragédias ambientais se tornaram cada vez mais frequentes e mundiais. Nenhuma parte do planeta está a salvo dos efeitos da ação predadora do homem que não hesita em destruir a natureza para avançar as fronteiras agrícolas ou aquecer a Terra um pouco mais para aumentar a produção industrial.
Sem entrar no mérito de uma eventual brasilidade de Deus, as tragédias nacionais, como a que ocorreu em Minas, tem um componente muito típico no DNA da sua origem. Na grande maioria delas são obras da imprevidência, da ganância desmedida que coloca os minérios com um valor bem acima das vidas humanas. A mineradora Samarco pertence a duas grandes empresas, a brasileira Vale e a Australiana BHP, cujos empreendimentos não poderiam colocar tantas vidas em risco. Os alertas dos especialistas foram ignorados e a fiscalização foi displicente para uma atividade agressiva de alto impacto ambiental que polui rios e coloca em risco o abastecimento de água. Por suposto, a segurança das vidas humanas deveria ser uma mera aplicação da lógica racional.
Contudo, o nosso rosário de tragédias prova o contrário e nos deixa mais pessimistas a cada novo desastre que se repete. No incêndio da boate em Santa Maria, em janeiro de 2013, 242 pessoas morreram. Dois anos e meio depois, ninguém foi responsabilizado, bem diferente de uma similar tragédia romena em que 45 pessoas morreram em uma boate. Dias depois, o primeiro ministro foi obrigado a renunciar pressionado por protestos de rua. Se estivesse vivo e observasse a realidade brasileira, Schopenhauer poderia concluir que a onda de pessimismo acerca do nosso presente e do nosso futuro se justifica. Como bem escreveu o filósofo, a vontade não é regida pela causalidade, portanto, a essência da vida mergulha na irracionalidade, uma vez que os interesses econômicos que comandam o mundo ignoram o elementar e filosófico princípio da razão.