
politização sem ódio
Em 1994, quando perdeu a segunda eleição presidencial, Lula deu uma declaração que foi gravada e que hoje circula em vídeos pelas redes sociais. O ex-presidente disse que “pobre quando rouba vai preso, rico vira ministro”. A frase resume bem a derrocada de um projeto político de esquerda que Lula e o PT representaram durante muito tempo ao lado de partidos de menor expressão como o PC do B e outras correntes “revolucionárias”. De 1980 a 2002 (chegada de Lula à presidência da República), apesar de alguns percalços pelo caminho, o PT ainda sintetizava a esperança de mudança, da construção de um Brasil melhor em que a agenda básica incluía o combate à corrupção, à distribuição de renda, contemplada pelo Bolsa Família, e os investimentos em saúde. A direita tem alguns expoentes como o deputado Jair Bolsonaro e o senador Ronaldo Caiado, mas são lideranças de pouca representatividade com influência restrita. O eleitorado brasileiro transita, majoritariamente pelo centro, até porque não encontra lideranças representativas e confiáveis tanto à esquerda como à direita.
Nesse momento em que o impeachment acirra os ânimos, alguns saudosistas, um tanto raivosos, contextualizam o conflito atual como um embate entre a direita e a esquerda que trocado em miúdos seria a luta do bem contra o mal. Se fosse uma discussão balizada pela ideologia, teríamos polêmicas em níveis mais elevados, com discussões de princípios, propostas de mudança, não uma mera troca de nomes ou de acusações. Nesse debate raso prevalece o xingamento. Os interesses estão pulverizados sem definição programática. O PT, que de fato nunca chegou a ser um partido de esquerda, só demonstra muita determinação para defender os privilégios resultantes do aparelhamento do Estado. Difícil encontrar um dirigente petista do alto escalão que não está sendo processado ou metido em alguma enrascada. Apesar de não ser o inventor da corrupção, isso demonstra que, em três décadas, o partido se lambuzou na sua caminhada até o poder. Diante da sucessão de flagrantes, os argumentos petistas soam parecidos com a propaganda dos regimes totalitários. A Justiça inteira, em suas várias instâncias, estaria a serviço das classes dominantes, toda a imprensa burguesa estaria mancomunada contra o governo e entidades como a OAB estariam apoiando o levante golpista. Vale lembrar que Lula concluiu dois mandatos presidenciais e Dilma um sem que a tese do impeachment fosse levantada. A “imprensa golpista” reconheceu que do ponto de vista econômico os dois primeiros mandatos de Lula foram bem produtivos, embora desde 2005, com o “Petrolão” a corrupção já estivesse grassando na administração federal. Hélio Bicudo, um dos pioneiros do PT, é um dos signatários do pedido de impeachment.
As razões para tamanha ira foram fornecidas pelo próprio Partido dos Trabalhadores que disponibilizou farto material, desde dinheiro escondido na cueca, o rombo na maior estatal brasileira até as transferências milionárias para o exterior. Não se pode atribuir toda a culpa da radicalização aos governistas. Os favoráveis ao impeachment não precisam armar protesto em frente ao apartamento do ex-presidente Lula. Com as atitudes provocativas, a crise atual ganha ares de gravidade por conta da intolerância, da radicalização que beira ao fanatismo. Também não dá para ser ingênuo. Além do poder em um sistema presidencialista, existem bens de alto valor em jogo, dinheiro, empregos e influências políticas. A ideologia já foi jogada para escanteio faz tempo.
Pelo menos em curto prazo, a solução não virá da política, embora seja justamente ela quem tem essa prerrogativa. Diante de uma eventual cassação da presidenta Dilma Rousseff, outro “arranjo” terá que ser feito. Não dá para esquecer que a desmoralização do governo atual decorre dos acordos espúrios fechados desde a chegada ao poder. Por causa dessa anomalia da política, com partidos sem ideologia ou princípios, ninguém sabe o que acontecerá. Por ora, o povo rebaixou as reivindicações, quer apenas pôr fim à corrupção escancarada. Existem ainda outros valores bem mais caros a serem resolvidos como a democracia e a distribuição de renda. As lideranças partidárias são vaiadas nas passeatas. Isso demonstra que as portas de saída para a crise terão que ser abertas pelas instituições que podem forçar os partidos a voltar para os trilhos. Isso não passa pela mitificação de heróis como o ex-ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, ou o juiz Sérgio Moro. A transição política do Brasil, da corrupção para um estado minimamente republicano, é uma tarefa para milhares de mãos e não pode ser jogada nas costas de um único homem.