Por trás da canção

Por trás da canção


Há 52 anos, Ringo Starr entrou para os Beatles e a banda fez o primeiro show, numa cidade perto de Liverpool, Birkenhead, em 1962, com a histórica formação que ficaria conhecida no mundo inteiro. Brian Epstein já era o empresário do grupo que queria o mesmo que as bandas da época e as atuais: fama, dinheiro e poder para seduzir as mulheres.  Em tempos de lepo, lepo e de outras baixarias musicais que se renovam na mídia, vira e mexe, algum remix que aparece no mercado aguça uma velha curiosidade que agita fãs no mundo inteiro. Afinal, o que queriam os Beatles quando o mundo conheceu a magia das suas composições? As melodias eram mais importantes que as letras? O grupo queria cantar uma mensagem mais profunda que pudesse influenciar os rumos da humanidade?

Para buscar a inspiração que está contida em cada canção, o jornalista inglês, especializado em música, Steven Turner escreveu “The Beatles - A história por trás de todas as canções” uma obra elogiada até por Bono Vox, líder da banda irlandesa U2.  O jornalista não se preocupou em contar a trajetória da banda ou as razões da dissolução, pois essa história já foi exaustivamente abordada por outras publicações. Concentrou-se em descobrir uma angústia que aflige os artistas, escritores e todos aqueles que um dia se deparam com uma folha ou a tela de computador em branco: onde buscar a inspiração. Refiro-me àquela centelha que num determinado momento pode acender a faísca para o sucesso. Para não publicar versões fantasiosas, com tantas que prosperaram por décadas, Turner baseou-se nas entrevistas que conseguiu com os próprios integrantes da banda e na pesquisa documental que fez para analisar os depoimentos publicados pela mídia. Em longas 388 páginas, o autor examinou ano a ano, uma por uma, as 208 canções gravadas pela banda. Todas as canções são analisadas no livro: “Here comes de Sun”, “Something”, “Get Back”, “Le it be” e até a infantil “Yellow Submarine”.

O processo de criação dos Beatles revela uma faceta interessante sobre a concepção da arte. John Lennon e Paul McCartney, as duas principais referências do grupo, não possuíam uma formação acadêmica sólida, mas com o passar do tempo perceberam que nas músicas que compunham poderia haver uma relação de similaridade com outros artistas que faziam escola. Inspiraram-se em Picasso, Elvis Presley e Bob Dylan. O próprio John Lennon assumiu que, no começo, para produzir uma música consumível pelo mercado, o grupo se preocupava em criar um som, as letras eram irrelevantes, não tinham profundidade, faziam parte de uma brincadeira. “Ob-la-di ob-la-da”, título de uma música, é uma expressão copiada de um nigeriano, um caco como tantos outros que existem na atualidade. Essa simplicidade nem sempre foi bem entendida. Surgiu uma guerra surda entre os mitos e os fatos. No mundo inteiro espalhou-se a versão de que “Yellow Submarine” faz uma referência velada às drogas, mas Paul McCartney sempre disse que o único submarino que conheceu na vida era um doce que encontrou na Grécia e que precisava ser colocado na água antes de ser consumido. A estrofe inicial é uma marchinha que soa bem aos ouvidos das crianças. “Basicamente, crio uma melodia e algumas palavras surgem na minha cabeça... Não significam nada, mas é só uma música. Sou eu cantando para a minha cachorra”, disse Paul, ao explicar a canção “Martha My Dear”.

No entanto, essa simplicidade expressa nas rimas triviais, onde as palavras “yeah” e “love” são as que mais aparecem, e nas corriqueiras histórias de amor não duraram para sempre. A partir de 1964, os Beatles, já envernizados por uma cultura mais elaborada, perceberam que a música tinha o fascinante dom de mexer com as emoções e passaram a mandar mensagens. Depois que o empresário Brian Epstein morreu, as brigas internas começaram e a separação tornou-se iminente. Sem grandes pretensões, Paul McCartney escreveu “Let it Be” só para dar uma exorcizada nos fantasmas. Antes já tinha escrito “Yesterday”, uma das canções mais tocadas no mundo até hoje. A música conta que alguém gostaria que o tempo voltasse para evitar um evento trágico. Uma sacada muito simples com uma significação  universal.

Quando os movimentos contestatórios explodiram no final dos anos 60, John Lennon escreveu “Revolution” e recebeu uma carta aberta, meio desaforada de um estudante, que considerou seu trabalho meloso e irrelevante. “Para mudar o mundo, precisamos entender o que há de errado com ele. E depois destruí-lo. Impiedosamente. Não é crueldade, nem loucura. É uma das formas mais intensas de amor. O que estamos combatendo é o sofrimento, a pressão e a humilhação.” O Beatle, que tinha uma visão de esquerda e que possuía a maior consciência política do quarteto, respondeu ao estudante. “Não contem comigo, se for para a violência. Não esperem me ver nas barricadas, a não ser com flores.”  Bem que “Revolution”, um disco que vendeu milhões de cópias, poderia ser ouvido novamente em Israel e na Palestina, na Rússia e na Croácia.

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