
A propaganda do anticonsumismo
A sociedade de consumo está descobrindo que o consumismo sem limites não vai levar a nada. Como orientar as pessoas a usarem o dinheiro conscientemente ao invés de inconscientemente serem usadas pelo dinheiro? Como deixar simples e humana a tecnologia que está cada vez mais sofisticada? Como pensar em previdência num tempo em que pessoas vão viver mais e em aposentadoria quando as pessoas não querem parar nem quando se aposentam?
O texto acima não foi escrito por um famoso autor de autoajuda e nem se trata de artigo produzido por algum intelectual de esquerda fazendo uma reflexão sobre a exarcebação do consumismo capitalista na sociedade atual. Na verdade, trata-se de um comercial do Itaú para 2011, produzido pela agência África, veiculado no final do ano que passou e muito elogiado por internautas. Quem quiser assistir ao comercial deve digitar “Itaú 2011” no Youtube. Não há como assistir ou ler o texto do comercial sem que a pulga da inquietação comece a se movimentar atrás da orelha.
Sinais de mudanças em tempos novos. Um comercial de TV feito por um grande banco privado mostra que a sociedade está inquieta em busca de novos valores e anseia por respostas para perguntas bem complicadas. A última frase do texto do comercial pega na veia dessa discussão. “Quando a sociedade e o mundo começam a fazer novas perguntas é preciso pensar em novas respostas”. No cotidiano, contudo, o que mais se vê é justamente o contrário.
Os estilos de vida tendem a ir se acomodando em uma busca incessante pela manutenção do status quo. Como diria o saudoso profeta Raul Seixas na sua análise sobre os despautérios da sociedade ocidental: as pessoas estão mais voltadas para o mundo externo do que para uma reflexão interior. Estatísticas divulgadas pela imprensa na semana passada informam que no Brasil já há mais celulares do que habitantes. A subliminar mensagem do texto comercial adverte que os humanos que compõem a sociedade estão virando massa de manobra através de uma pungente influência e dominação da mídia sobre os códigos morais e os condicionamentos mentais.
Os valores vigentes estão devidamente impregnados pela visão coletiva hiperconectada à cultura de massa. De revolução em revolução, de descoberta em descoberta, o homem fabricou uma voraz sociedade de consumo na qual ele próprio não passa de uma peça de reposição, dessas que facilmente pode ser encontrada no estoque de algum banco on-line de “talentos” ou de desempregados. Os efeitos colaterais dessa correria desenfreada já se fazem sentir. Com a consolidação incontroversa do modos vivendi — os cartões de crédito que operam no Brasil são os mesmos da Argentina e de Portugal — a sociedade atual parece estar atingindo o ápice da fabricação em série, cercada pelos modismos que deixam os protótipos humanos exageradamente iguais ou muito parecidos.
O cultivo das virtudes do espírito nunca esteve tão em baixa e sem valor de mercado. O comportamento individual já não pode mais adotar o desvio padrão do contexto sob pena de virar uma incômoda e mal vista rebeldia sem propósito. O mundo atual está cada vez mais cosmético, menos autêntico, sem espaço para a criatividade, embora seja essa a mais desgastada palavra de ordem do mundo empresarial moderno. Se por ventura, um dia desses, surgisse algum revolucionário, um Che Guevara dos tempos modernos, ele não se insurgiria contra nenhum governo, mas provavelmente iria querer por abaixo os atuais padrões de consumo que massificam a sociedade.