
Questão crucial
Com passos lentos, cheia de idas e vindas, a reforma da Previdência tramita no Congresso Nacional. Depois da votação na Comissão de Constituição e Justiça, a expectativa é de que seja votada no plenário até 17 de julho de 2019, pois no dia seguinte os parlamentares precisam sair de férias. Além das próprias eleições gerais, nenhuma outra questão tem provocado tanta polêmica, discussões e posicionamentos a favor e contra, agora turbinados pelas redes sociais. De fato se trata de uma questão relevante para todos os cidadãos. Quem não sofre um infortúnio precoce, um dia irá se aposentar.
A primeira categoria a desfrutar desse benefício foi a dos ferroviários que obteve uma legislação própria em 1923. Na era do ex-presidente Getúlio Vargas, através da constituição de 1934, as aposentadorias dos funcionários públicos foram aglutinadas. Posteriormente, a previdência social como um conceito de segurança ganhou ênfase na constituição de 1946. Durante esse período do Brasil agrário e pré-industrial, a aposentadoria nunca chegou a ser um problema preponderante, pois a expectativa de vida era bem menor, ao redor dos 50 anos. As pessoas morriam antes de se aposentar e quando se aposentavam usavam o benefício por pouco tempo, sem onerar muito o estado.
A lei orgânica da Previdência Social surgiu em 1960 com a uniformização dos benefícios e a inclusão de alguns direitos como o auxílio natalidade e funeral. Trabalhadores rurais e domésticos ainda não eram contemplados pela legislação. A falta de proteção dessas duas categorias tem um fundo histórico. Em junho de 1990, a Previdência Social resultou da fusão do Instituto de Administração Financeira da Previdência Social (IAPAS) com o Instituto Nacional da Previdência Social (INPS). Essas datas são as mais relevantes, mas durante essa longa trajetória várias normas foram inseridas na legislação, para beneficiar alguns e prejudicar outros.
Sem a intenção de personificar o problema, um dos casos de maior notoriedade foi o de Rodrigo Janot, o temido procurador que indiciou por duas vezes o ex-presidente Michel Temer e mais uma dezena de políticos. Amparado pela legislação vigente, o aposentado Janot, de 62 anos, receberá um valor bruto mensal equivalente ao último salário da ativa, de R$ 37,3 mil – seis vezes mais que o teto de R$ 5.839,00 do INSS, o sistema destinado aos trabalhadores do setor privado. Cerca de 60% dos trabalhadores privados recebem menos de dois salários mínimos. O ex-procurador terá também direito aos mesmos reajustes dos funcionários da categoria que continuam em atividade, em vez de ter o benefício corrigido pela inflação, como quase todos os aposentados e pensionistas do país. Na iniciativa privada são comuns os casos de trabalhadores que se aposentam com um valor de 3 ou 4 salários e alguns anos depois o rendimento cai em cerca de 40%. Essa é apenas uma das grandes distorções do sistema previdenciário. Nem o mínimo está garantido.
Muitas pessoas atribuem exclusivamente os problemas da Previdência à corrupção e à aposentadoria dos políticos, mas embora sejam duas causas que contribuem para o aumento do déficit, na raiz do problema da previdência brasileira estão o tratamento diferenciado para o funcionalismo público, com as aposentadorias e benefícios especiais para algumas categorias, a concessão de anistias e isenções fiscais, as aposentadorias precoces, o desemprego e os sistema de financiamento em que a contribuição dos trabalhadores ingressantes precisa sustentar a aposentadoria dos mais idosos.
Não há uma reforma dos sonhos e também não haverá um projeto que agrade a todos, ainda mais com os lobbies poderosos que circulam no Congresso Nacional. Embora não seja perfeito, entre outras falhas o projeto atual contém uma anistia de 17 bilhões para produtores rurais que não pagaram o Funrural. A proposta que está em vias de ser votada acaba com privilégios e estabelece um teto da previdência para todos os trabalhadores ao mesmo tempo em que eleva a idade mínima para a aposentadoria. Um país com enormes carências e déficits de investimento em quase todas as áreas não pode continuar pagando esses privilégios. Eleitores ainda devem ficar atentos e cobrar dos seus deputados uma posição sobre a retirada, na calada da noite, de estados e municípios da reforma. A manobra silenciosa e ardilosa foi orquestrada pelo Centrão. Os deputados que articulam essa jogada não querem contrariar o interesse dos servidores de 27 estados e de 5.570 municípios, mas não estão preocupados com o futuro de milhões de brasileiros.