As razões da crise

As razões da crise

O Brasil é um país continental, com uma realidade complexa que só mentes iluminadas como as de Sérgio Buarque de Holanda e de Darcy Ribeiro conseguiram desvendar. Contudo, dois ditados, bem antigos e bem conhecidos, explicam, em parte, de maneira bastante simples, a crise brasileira. O primeiro adágio afirma que “em casa que falta pão, sobra confusão”. O segundo diz que “não se pode colocar todos os ovos em uma cesta só”. Os últimos governantes brasileiros ignoraram solenemente esses provérbios. A história sempre é um bom começo para buscar explicações para qualquer estado de calamidade. Sem caçar bruxas, o primeiro “culpado” seria o presidente Juscelino Kubitschek que, nos anos 50, cedeu às pressões da indústria automobilística para abrir estradas e priorizar o transporte rodoviário que hoje responde por 70% das cargas. No final dos anos 50 e no começo dos anos 60, o Brasil ignorou o segundo ditado e foi colocando todos os ovos na cesta das rodovias. 

Outra fragilidade é o custo para manter o gigantismo do Estado, cheio de privilégios e de distorções. “Como não existe mais almoço grátis”, a conta precisa ser paga com uma pesada carga tributária que não deixa de fora nem produtos essenciais como o combustível. Assim, mesmo que o país seja um grande produtor de petróleo e um dos maiores produtores de etanol do mundo, sucessivos governos tributaram de forma exagerada os combustíveis, insumo essencial para manter ativa a economia. A crise atual mostrou aos brasileiros que do valor pago nas bombas dos postos cerca de 50% são tributos estaduais e federais. Isso significa que o governo onera de forma exorbitante um produto cujo consumo é essencial para a geração de renda da população.

A terceira razão dessa crise, também com origens históricas, viaja pela precariedade da infraestrutura, mais precisamente pelo abandono das estradas brasileiras que quebram caminhões, aumentam o tempo das viagens e oneram o custo do frete. A exceção são as rodovias privatizadas cujo custo dos pedágios sufoca a remuneração dos caminhoneiros. Se quem viaja esporadicamente, num feriadão, reclama do preço, dá para imaginar a situação de quem precisa pagar essa conta todos os dias.

O quarto componente desta crise é a corrupção que a partir da operação lava-jato se materializou na Petrobras. Por coincidência, a maior estatal brasileira também está diretamente envolvida no aumento dos combustíveis, estopim da greve dos caminhoneiros. O desvio de bilhões de reais indignou a população brasileira que associa a alta de preços patrocinada pela empresa à má gestão e ao desvio do dinheiro público. A corrupção é inegável, a inconformidade faz sentido, mas mesmo que a Petrobras fosse a empresa mais idônea do mundo ainda assim o problema persistiria. Depois da derrocada da empresa, a nova direção exagerou na dose dos reajustes. Se na gestão anterior, a política populista e eleitoral segurava preços artificialmente, a gestão atual estabeleceu um frenético repasse diário que fez com que o preço do diesel subisse 25% em menos de um ano, enquanto que o valor do frete ficou sem reajuste no mesmo período. Com o frenesi financeiro, o descompasso era evidente e o sistema fatalmente estouraria. “Como tudo que está ruim ainda pode piorar”, a desvalorização do real frente ao dólar, em maio, derrubou o frágil equilíbrio de preços entre os agentes do setor. Os caminhoneiros estavam sufocados, o governo endividado e a Petrobras querendo recuperar a qualquer preço os prejuízos de anos anteriores.

Em momentos de crise, os oportunistas sempre aparecem. Nesse lado, está uma parcela das empresas transportadoras de carga que fomentaram a greve para obter reduções tributárias e ampliar as margens de lucro. De cara, ficaram de fora da reoneração da folha de pagamento que vai atingir 24 setores da economia. Alguns postos de gasolina e não todos – é bom que se registre – aproveitaram a escassez para majorar preços. Outros empresários sem escrúpulos até venderam produtos falsificados. Por fim, o episódio mais uma vez deixou patente a incompetência, o descaso e a inércia do governo de Michel Temer que ignorou todos os avisos da iminência da crise. Cercado por denúncias de corrupção, o governo atual se arrasta até o fim do mandato e tem como principal objetivo a própria sobrevivência. A longa e dolorosa experiência com planos econômicos anteriores mostrou que não existem soluções mágicas. Dificilmente boas soluções podem ser encontradas no auge de uma crise. De qualquer forma, a negociação, a responsabilidade e a disposição para encontrar saídas consensuais são o melhor caminho para evitar que o país mergulhe numa crise sem precedentes na qual todos os brasileiros, indistintamente, sairão perdendo. 

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