
As regras do jogo
Não tem refresco na pauta política e econômica. O mercado tenta se preservar dos desacertos da política, mas não consegue ficar incólume o tempo todo. Os primeiros índices econômicos de 2018 revelam que o crescimento continua, mas um pouco aquém do que o país espera e precisa. A corrida contra o tempo perdido prossegue. A esses dois importantes eixos da espinha social brasileira juntou-se um terceiro que monopoliza as atenções da opinião pública face ao alcance das decisões; a influência e até mesmo a ingerência do Judiciário na política, uma vez que não existe vácuo de poder. Quando alguém não exerce sua atribuição de maneira soberana, outras forças políticas ocupam esse espaço. Essa distorção gera a hipertrofia do poder que invade o espaço alheio. Esse fenômeno está ocorrendo no Brasil de hoje diante da fraqueza do governo do presidente Michel Temer (Executivo) e da reiterada incapacidade do Congresso Nacional (Legislativo) de resolver a crise política da qual é o maior responsável.
Essa disfunção dos poderes transformou o Judiciário, especificamente o Supremo Tribunal Federal (STF) e algumas instâncias inferiores, junto com o Ministério Público Federal, em protagonistas da vida política. Hoje, a comunidade internacional despreza o presidente Michel Temer que só participa da agenda protocolar e obrigatória, enquanto que o juiz Sérgio Moro e ministros do STF são useiros e vezeiros em palestras e encontros nos Estados Unidos e na Europa. Os brasileiros já conhecem melhor as posições dos 11 ministros do STF do que as habilidades dos 11 jogadores que o técnico Tite pretende levar à Copa da Rússia. Esse é um aspecto positivo da judicialização da política, perceptível nas sessões do STF transmitidas ao vivo pela TV.
Duas questões são as mais polêmicas e mais importantes para combater a corrupção e acabar com a impunidade: a prisão a partir da condenação em segunda instância e o foro privilegiado de políticos e de autoridades. Por escassa maioria de 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu, recentemente, pela manutenção da condenação em segunda instância, apontada por juízes e por procuradores da operação Lava Jato como fundamental para frear a corrupção que saqueou empresas e desviou recursos de obras públicas. A mesma decisão já havia sido tomada em 2016. Embora o voto de alguns ministros possa estar vinculado a interesses escusos, em função de indicações políticas, ambas as posições, a favor e contra, encontram respaldo na constituição de 1988 que em seu artigo V assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. O outro entendimento considera que a produção e a contestação das provas podem ocorrer até a segunda instância, ficando para órgãos superiores a análise das questões constitucionais. Nessa visão, cabe também ao Supremo a interpretação da constituição.
A propósito dessa discussão o Instituto Datafolha publicou esta semana uma interessante pesquisa em que 57% dos brasileiros (escassa maioria) são favoráveis ao cumprimento da pena a partir de decisão de segunda instância, mesmo que o réu possa recorrer a órgãos superiores. No mesmo levantamento, cerca de 36% dos entrevistados consideraram mais justo que o condenado vá para a cadeia somente depois que o seu processo passe por todas as instâncias judiciais possíveis. Não souberam responder 6%. Também foi significativo o apoio à continuidade da Lava Jato, respaldada por 84% dos entrevistados.
O foro privilegiado entrou na pauta do Supremo Tribunal Federal com o processo do senador Aécio Neves, acusado de receber propina da JBS. Essa regalia permitiu que políticos acusados de graves irregularidades se mantenham distantes de condenações por décadas. A constituição de 1988, que assegurou o foro privilegiado sem muito critério a um espectro muito largo de políticos e de agentes públicos, estava muito preocupada em garantir a imunidade parlamentar que havia sofrido sérias agressões na época da ditadura militar. Hoje, os tempos são outros. Assegurada a liberdade de expressão e a atuação parlamentar, a grande maioria dos brasileiros deve responder por seus crimes perante a lei de forma igualitária. A despeito das graves crises econômicas e dos problemas políticos que parecem insolúveis, os brasileiros estão se politizando e descobrindo que precisam discutir com atenção as regras do jogo.