Remédios Milagrosos

Remédios Milagrosos

Não é preciso voltar muito no tempo para desvendar as razões do ceticismo quase generalizado que acomete o povo brasileiro, principalmente em tempos de pandemia em que uma porção infindável de informações controversas circula nas redes sociais. Mesmo que inconscientemente, essa desconfiança, que se tornou ampla, geral e irrestrita criou um campo fértil para teorias conspiratórias que diariamente correm soltas na internet. Num passado não muito distante, políticos, governantes e pessoas que ocupavam cargos relevantes na administração pública e privada abusaram da boa fé e enganaram a opinião pública. O descrédito se generalizou.

O resultado dessa perda de credibilidade foi que a lógica da sociedade se inverteu. A  fraude passou a ser considerada regra e o ato correto exceção. Por essa visão distorcida, os profissionais de categorias importantes — médicos, enfermeiros, advogados, jornalistas, cientistas e pesquisadores — são desonestos por natureza até prova em contrário. Essa inversão explica o ceticismo que acometeu uma grande parte da opinião pública que agora duvida de tudo e de todos. Nesse raciocínio enviesado, funcionários públicos da saúde e diretores de hospitais formaram um conluio para inflar o número de infectados em todas as cidades do país. Por conta de “inomináveis interesses econômicos”, profissionais da imprensa do mundo inteiro estariam escondendo da população os remédios que curam a Covid-19.

Para a nossa sorte, isso não corresponde à realidade. A imensa maioria silenciosa do povo brasileiro e seus profissionais são pessoas honestas. Todos os dias fraudes são desmascaradas e a internet tornou mais transparente atos públicos e privados. Embora possa ser feito, falsificar um atestado de óbito, por exemplo, é um ilícito que pode ser descoberto com facilidade e complicar a vida do falsificador. Claro que ninguém pode ser ingênuo num país com esse histórico e se torna prudente sempre andar com o “desconfiômetro” ligado. Apesar de tudo, o país ainda tem instituições e brasileiros que são merecedores do crédito e da confiança. São essas instituições que respaldadas pela ciência travam um confronto diário contra as fakenews e a desinformação. Se não fosse por isso, a tragédia do coronavírus seria bem maior.

Apesar dos números serem alarmantes e o assunto monopolizar a pauta dos meios de comunicação há meses, uma parcela significativa da população segue ignorando o risco da doença, mesmo diante dos sucessivos alertas das autoridades. Para contaminar as vítimas, o coronavírus depende do contato social. Infelizmente, ainda tem muita gente espalhando complôs imaginários, recomendando e tomando remédios sem comprovação científica e menosprezando as medidas de isolamento social. Um desrespeito acintoso e grave que começa pelo presidente da República e vai até o cidadão comum. Tanta imprudência se reflete no número de óbitos que se mantém alto desde junho. Diariamente, o Brasil tem registrado uma média de 1.000 mortes e 40 mil pessoas contaminadas. No Estado de São Paulo, a média tem sido de quase 300 mortes diárias. Ribeirão Preto segue com a mesma tendência com UTIs lotadas e mais de 220 mortes nesses últimos três meses.

A situação fica mais complicada quando o ceticismo se junta à teimosia. Uma pesquisa de uma revista científica britânica revelou que o ser humano tem dificuldade de mudar de opinião depois que um conceito se solidifica no cérebro. A partir de um determinado ponto de confiança sobre uma crença, o cérebro simplesmente não processa novas informações. Devido à natureza coletiva do ser humano, os conceitos firmados por grupos sociais ficam ainda mais arraigados e se transformam em dogmas. Isso explica os atos de selvageria cometidos por “grupos religiosos” ou a violência das “torcidas organizadas”. O contraditório move a evolução do pensamento e não faz sentido contrariar os fundamentos científicos, exaustivamente comprovados, principalmente quando essas ideias colocam em risco a própria vida e a de outras pessoas. A eficácia da primeira vacina foi comprovada há mais de 200 anos, mas mesmo assim tem gente que prefere tomar algum remédio milagroso, daquela mesma linha de fabricação que eloquentes vendedores costumam negociar nas praças das grandes cidades.

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