
Renovação suprapartidária
A análise dos resultados da última eleição precisa retroceder alguns anos, mais precisamente à retomada do processo democrático estabelecido pela Constituição de 1988 que completou 30 anos. As mudanças constitucionais propiciaram o surgimento de novos partidos, à direita, à esquerda e ao centro, que herdaram a responsabilidade de conduzir e melhorar o sistema vigente. Naquela época, havia o entendimento de que a escolha direta dos representantes, sem os mecanismos de censura, seria a solução de todos os males brasileiros que, por sinal, nunca foram poucos.
O tempo foi passando e as decepções só aumentaram. A volta da liberdade de imprensa garantida pela constituinte e pelo regime democrático possibilitou que os meandros do poder se tornassem públicos, revelando que o parlamento e as pastas do executivo não estavam a serviço da população. Renato Russo já havia profetizado “Que país é esse”, denunciando a inoperância de Brasília e as maracutaias do Congresso Nacional. Nada mudava e tudo continuava como antes. Os escândalos se sucederam e foram aprofundados pela Lava-Jato. Em 2013, mesmo ano da operação desencadeada em Curitiba, uma onda de manifestações sacudiu as estruturas políticas do país. Evento similar tinha ocorrido em 1984, com a campanha das diretas Já. Originariamente, as manifestações de 2013 iniciaram pelo preço da passagem de ônibus, mas logo a pauta de reivindicações abrangeu outras demandas que denunciavam a moradia precária, o alto custo de vida, a corrupção, o desemprego e a falta de perspectiva para a juventude. A lista extensa ficou sem resposta, mas os sinais de esgotamento do sistema atual ficaram evidentes. Bem antes disso, ainda lá na década de 1970, até o Roberto Carlos, acusado de ser um alienado político, tinha feito uma música com o refrão “Eles estão surdos”.
Os políticos com mandato e os partidos não ouviram o clamor das ruas. Nada de substancial mudou na estrutura política brasileira. As velhas raposas, suprapartidárias, prosseguiram trabalhando em benefício próprio, para perpetuar os esquemas políticos que rendiam poder e dinheiro oriundo da corrupção. Começou a era do desfile de malas, valores transportados nas cuecas e dinheiro escondido em câmaras secretas. A filmagem de algum político ou agente público recebendo propina se tornou corriqueira. A onda de descontentamento prosseguiu com a população voltando às ruas no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Apesar das evidências de corrupção, o Tribunal Superior Eleitoral arquivou o processo contra a chapa Dilma Roussef e Michel Temer. O presidente atual escapou de dois pedidos de cassação na bacia das almas, mas certamente não se livrará de um acerto de contas com a Justiça, no dia 2 de janeiro de 2019, quando perderá a imunidade que o cargo confere.
Em março de 2018, a sociedade emitiu um novo alerta contra o sistema político e econômico vigente. Mesmo que tenha sido sufocada pela paralisação, a população apoiou a greve dos caminhoneiros no limite do sacrifício, mesmo que as consequências tenham sido extremamente pesadas e o custo alto. Era mais um aviso de que o sistema atual estava falido, próximo do esgotamento. Quando o regime político não corresponde, a reação demora, mas vem. Ás vezes, pode se manifestar de forma violenta em saques, agressões e reações de hostilidade. O combustível dessa revolta pode ser encontrado com fartura nos problemas de segurança, de saúde e no desemprego.
Na última eleição, o eleitorado usou o voto para fazer uma renovação sem precedentes na história. A maioria dos políticos identificados com o velho sistema foi rejeitada. O resultado da votação para o Senado evidencia essa reação. De 54 senadores, 46 não retornarão em 2019. Renan Calheiros foi um dos únicos sobreviventes, mas seus companheiros de MDB foram limados pelas urnas. Nessa lista estão o presidente Eunício de Oliveira, Valdir Raupp, Roberto Requião e o onipresente Homero Jucá, o líder de todos os governos. No Maranhão, os filhos de Sarney, Roseana e José, também sofreram derrotas acachapantes. No PSDB, Cássio Cunha Lima, Marcone Perillo e Beto Richa foram derrotados. No PR, Magno Malta ficou de fora. No PT, Linderbgh Faria não se elegeu. Eduardo Suplicy e Dilma Rousseff também não conseguiram vaga. Cristovão Buarque, senador do Distrito Federal, não teve votos suficientes para permanecer no Senado. Dos 33 senadores que tentaram a reeleição, apenas oito conseguiram votos para voltar: Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Ciro Nogueira (PP-PI), Humberto Costa (PT-PE), Jader Barbalho (MDB-PA), Eduardo Braga (MDB-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Sérgio Petecão (PSD-AC). A mesma onda renovadora se verificou na Câmara dos Deputados e nas assembleias estaduais. Já que o sistema não se autorregenerou, o eleitor decidiu fazer uma faxina, elegendo novos representantes para ver se o panorama muda. Ao que tudo indica, essa renovação não deve parar aí e novas mudanças ainda estão por ocorrer.