
Sem palmadas, só conversa
Antigamente, o pai ou a mãe enchia o peito e dizia que “dos meus filhos cuido eu”. Muita gente defendia, de peito aberto, que umas palmadinhas ou chineladas eram salutares para uma boa educação, “endireitavam” a criança. A ala mais radical da paternidade até fazia apologia de outros artefatos, como a vara de marmelo, o relho, a cinta e a palmatória. Pelo andar da carruagem, parece que essas cenas farão parte do passado das famílias brasileiras.
Um Projeto de Lei da deputada federal Maria do Rosário, do PT do Rio Grande do Sul, ia passando despercebido até ser capa do Jornal do Brasil. Esta semana, saiu uma matéria no Jornal Hoje e a polêmica foi parar na boca da opinião pública. A proposta emenda o Estatuto da Criança e do Adolescente. Caso seja aprovada, os pais ficarão proibidos de dar uma simples palmada nos filhos. O projeto proíbe qualquer tipo de castigo, inclusive os moderados.
Alguém poderá argumentar que uma lei como essa caducará por falta de fiscalização, mas é preciso tomar cuidado. Hoje em dia, com a indiscreta vigilância das câmeras do grande irmão, se a lei for aprovada, será uma tragédia familiar se algum vizinho abelhudo gravar o pai dando umas palmadinhas no filho no quintal da casa. O vídeo pode parar no You Tube e a quantidade de acessos pode fazer o Jornal Nacional se interessar pela matéria. Aquela família nunca mais será a mesma. Independentemente da aprovação do projeto, a questão reacende o debate. Hoje, milhões de pais em todo o país estão aflitos com a educação dos filhos. Como encontrar o equilíbrio entre a liberdade, os deveres, o cumprimento das regras e as punições, já que castigo é uma palavra que soa mal?
No caput, o projeto estabelece “o direito da criança e do adolescente de não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos”. Os pais que descumprirem a nova lei poderão ser punidos de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Terão que fazer um curso psicológico junto com os filhos ou que varrer o chão da escola. Aquele reles puxão de orelha na festa de aniversário ou “bolo na mão” podem virar um caso de agressão com pena prevista em lei. Eis o novo desafio da educação: os pais terão que exigir que os filhos tenham respeito e consideração sem o uso da força física.
Na esteira dessa modificação, o projeto ainda sugere que o Estado promova campanhas de conscientização para que os pais abandonem o uso da violência. Assim, os direitos da criança e do adolescente ganham projeção internacional. Desde 1990, a Convenção sobre os Direitos da Criança recomenda que as Nações Unidas protejam os menores de qualquer tipo de agressão. A autora do projeto afirma que não se trata da criminalização da violência moderada, mas a explicitação de que essa conduta não condiz com o direito. Polêmico, merecedor de um debate mais profundo, o projeto quer preservar a criança da violência doméstica, combater a banalização das agressões, embora muita gente advogue que a “palmadinha funcional”, de vez em quando, não faz mal a ninguém. O tapa seria uma maneira de impedir que a criança sofra mais? A sua proibição retira a autoridade dos pais? Arrisco um palpite: os bons exemplos ajudam e o diálogo entre pais e filhos pode ser determinante para uma boa educação.